quarta-feira, 31 de julho de 2013

Populismo e Constituição

Populism and Constitutions

Wednesday
18
September

End date

20 September 2013

Time

17:30 to 12:30
Venue: 
Jay Heritage Centre, 210 Boston Post Rd. Rye, New York 10580

September 18th - September 20th 2013
Populist movements are breaking out in many different places: central and Eastern Europe, Greece, Italy, Latin America, and the United States, to name just a few prominent cases. In some cases they go together with the increased demands from government, but the two are not necessarily related. Populism is often centred on dissatisfaction with government and the institutions of government. In nations such as Bulgaria and Italy, the very system of government, and hence the constitutional order from which it arises, is under attack.

So we would like to ask: are these the first stirrings of a new constitutional paradigm in which representative ideas and institutions are discredited and the people are more directly involved? Populist movements have come and gone, but is there now a new force at large with grave consequences for the standard model of republicanism?  

Participants include:
Matthew Diller, Cardozo Law School, New York
Denis Galligan, University of Oxford
Bernadette Meyler, Stanford University
Cas Mudde, University of Georgia
Paulina Ochoa Espejo, Yale University
Richard Parker, Harvard Law School
Pasquale Pasquino, New York University
Amir Paz-Fuchs, Centre for Socio-Legal Studies
Cristóbal Rovira Kaltwasser, University of Sussex
Lawrence Rosenthal, University of California
Daniel Smilov, University of  Sofia
Nadia Urbinati, Columbia University

terça-feira, 30 de julho de 2013

A União homoafetiva e o CNJ - blacklash

CONSTITUCIONALISMO DEMOCRÁTICO[1] E SUAS IMPLICAÇÕES NA INTELEGIBILIDADE DO JUDICIÁRIO BRASILEIRA - Este é o titulo do trabalho estruturado por Gabriel Antunes Hess, da ufrj de direito, contando com a colaboração de José Ribas Vieira e Margarida Lacombe Camargo a ser publicado

domingo, 28 de julho de 2013

Landau e Ackerman

Vejam o que David Landau escreveu na defesa do parlamentarismo para o Egito Landau fala de Linz. É uma discussão sobre sistemas de governo
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Should Egypt Drop the Presidency?

Posted: 27 Jul 2013 05:07 PM PDT
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David Landau, Florida State University College of Law

Bruce Ackerman recently wrote an op-ed in the New York Times calling for
Egypt to drop the institution of the presidency from its new constitutional
order, and instead to use a parliamentary system with a constructive vote
of no confidence. Ackerman argues essentially that the figure of the
president allows the Muslim Brotherhood to govern without gaining support
from other groups, whereas a Parliamentary system would force Islamists to
govern with support from other groups.

The article revives one of the older debates in constitutional design. Juan
Linz and others have long argued that presidentialism creates a
winner-take-all logic that is detrimental to democratic stability, and have
recommended parliamentarism instead. Some more recent work by Cindy Skach
and others has focused particularly on the semi-presidentialism found in
Egypt, France, Russia, and elsewhere, where there is both a directly
elected president with real power and a separate prime minister. These
regimes supposedly create vagueness in the distribution of powers that is
especially destabilizing to democracy.



An opposing line of research has defended presidentialism. For example,
scholars argue that presidentialism increases electoral accountability both
because voters have a clearer sense of what they are voting for and because
it is easier for them to figure out who to hold accountable for
governmental failure. Some also note that parliamentary regimes can in fact
be highly unstable, with governing coalitions forming and dissolving in
rapid succession (as has occurred at times in Italy). And others defend the
decisiveness with which presidential regimes can supposedly respond to
crisis.

The competing claims remain difficult to assess empirically; statistical
analyses for example are difficult because of the number of confounding
variables. The Latin American experience – where the major countries are
presidential – nonetheless looks quite different than it did twenty years
ago. The argument that presidentialism breeds instability is more difficult
to support in a region that has been much more consistently democratic than
in the past. The issue of overall performance and quality of governance is
more difficult to assess, but even multiparty presidential systems like
Brazil appear to have improved quality of governance. At least over time,
then, it may be that Latin American presidentialism is maturing to the
point of workability.

As Ackerman suggests, much of this debate might be better considered in
concrete terms, in the context of a particular party system and particular
set of political and social problems. The Egyptian experience seems to
validate the anti-presidential argument to an extent. Some of the key
problems stemmed from the composition of the Parliament, rather than the
presidency. The first Constitutional Assembly, which was seen as stacked by
Islamist elements, was selected by a Parliament that was insufficiently
pluralistic, perhaps because of the rapid timing of elections. But the
issue of presidential emergency power was salient, for example, in Morsi’s
decree last November stating that his declarations would not be subject to
judicial review. Presidentialism does not appear to have been the only
reason for Egypt’s instability, but it seems likely to have played some
role.

If Egypt does stick with the presidency, it should carefully consider the
issue of presidential power, especially affirmative decree and emergency
powers. The experience across much of Latin America suggests that emergency
decrees can occasionally be destabilizing, often lack popular legitimacy,
and may limit the development of other democratic institutions like
legislatures. The question of presidential emergency powers – and emergency
powers in general – is likely to arise repeatedly because of the unstable
nature of the democratic transition. The distribution of power between
president and prime minister is a second important dimension in the medium
and longer term. The cohabitation problem seems to be endemic to
semi-presidential systems, and at some point the Egyptians are likely to
face it. The broader point is that some of these issues might be better
dealt with through specific, detailed points of design, rather than the
broad question of regime type.

Suggested Citation: David Landau, Should Egypt Drop the Presidency?, Intl
J. Const. L. Blog, July 27, 2013, available at:
http://www.iconnectblog.com/2013/07/should-egypt-drop-the-presidency/

sexta-feira, 26 de julho de 2013

A Corte de porta aberta?

A corte de porta aberta

Por Juliano Basile | De Brasília
Grupos que levavam suas demandas à Câmara ou ao Senado, como índios, agricultores, cientistas, empresários, tornaram-se presença comum no STF
Na esteira do julgamento do mensalão, do alto da popularidade do ministro-presidente Joaquim Barbosa e com uma Constituição de ampla extensão temática, que o faz tomar decisões sobre os mais diversos assuntos, o Supremo Tribunal Federal (STF) tornou-se uma espécie de casa de suplicação popular.

O Supremo recebe mais de quatro mil manifestações por mês de pessoas que fazem todo tipo de pedido. Para completar, a pauta de processos está tão cheia que uma infinidade de casos irrelevantes misturou-se com temas que envolvem questões capazes de influir sobre o futuro do país. O Supremo julga casos tão díspares como aquele em que deve se pronunciar sobre efeitos de uma inflamação de cotovelo e a legislação dos royalties do petróleo. Seus 11 ministros opinam sobre assuntos tão importantes como a realização do plebiscito para a reforma política e julgam questões tão fúteis como o furto de blusas num quintal.

Aos olhos da população, a importância do STF aumentou consideravelmente com o julgamento do mensalão. Após as 53 sessões em que 25 pessoas foram condenadas por crimes de corrupção, o tribunal se transformou num ponto de peregrinação de pessoas que levam as mais diversas reclamações. Grupos que tradicionalmente ocupavam o salão verde da Câmara e o azul do Senado, como índios, agricultores, cientistas, empresários, sindicalistas e ambientalistas, tornaram-se presença comum no STF. O impacto da Ação Penal 470 (mensalão) fez com que os mais variados tipos de postulantes atravessassem a Praça dos Três Poderes na crença de que é o Supremo que pode atender às suas demandas, e não o governo ou o Congresso.

Em abril, integrantes da tribo guarani-kaiowá fizeram uma espécie de "dança do acórdão" na entrada do STF. Pediam a demarcação de 32 áreas no Mato Grosso do Sul e o julgamento dos recursos do caso Raposa Serra do Sol, em que o STF reconheceu como indígena uma área, em Roraima, equivalente aos territórios somados de Portugal e Bélgica. Recebidos pessoalmente pelo ministro Joaquim Barbosa, os kaiowás saíram do tribunal com a promessa de que suas reivindicações seriam analisadas. Em agradecimento, entregaram um cocar pataxó a Barbosa. Depois, fizeram um círculo e dançaram em torno do tribunal, numa espécie de ritual pró-demarcação.

Professora de música pediu a interseção do STF para aumento do plantio de pau-Brasil, a melhor madeira para confecção de arcos de violino

Cientistas, pessoas com deficiência ou com câncer, agricultores e industriais também passaram a requisitar audiências constantes aos ministros. E, assim, a visão do tribunal como uma casa de advogados mudou sensivelmente. Hoje, o STF é visto como uma corte capaz de atender às demandas das ruas, independentemente de quais sejam.

O STF tem sido chamado, cada vez mais, para tomar decisões que interferem diretamente no cotidiano das pessoas. É o tribunal que vai dizer se é possível comprar bebidas perto de rodovias, se torres de celular podem ser instaladas perto de áreas residenciais e se as pessoas podem usar telhas de amianto em suas casas. Também cabe ao STF determinar se emissoras de TV pagas devem transmitir um mínimo de conteúdo nacional em suas programações, se linhas de transmissão de energia causam câncer, em quais ocasiões o poder público deve bancar o tratamento de saúde daqueles que não podem pagar, numa infinita relação de temas que, de uma forma ou de outra, podem alterar a vida da população. Até a realização de vaquejada no Ceará terá que ser decidida pelo tribunal. O pedido pode parecer inusitado, mas o STF já julgou a farra do boi em Santa Catarina e a briga de galo no Rio de Janeiro.

Muita gente vê o STF como uma espécie de igreja a que se recorre para fazer todo tipo de pedido. Em muitos casos, o tribunal atende. De uma cela no Rio de Janeiro, um condenado escreveu uma carta, implorando intercessão a favor de sua transferência para outro presídio, pois temia ser morto por facções internas rivais. O pedido foi encaminhado pelo Supremo para a Vara de Execuções Penais do Rio, que atendeu à solicitação. Uma vez removido, o presidiário escreveu uma carta emocionada ao STF, contando que foi às lágrimas quando recebeu o envelope timbrado do tribunal -, ainda que escondido em sua cela, porque "presos não choram", não podem demonstrar fraqueza aos demais detentos.

"Ganhei o semiaberto e agradeço a todos os ministros, pois vossas excelências são pessoas que eu amo", diz outro preso em carta ao tribunal. Presidiários são os que mais escrevem ao STF, mas nem sempre seus pedidos são para obter habeas corpus ou progressão de regime. Um deles pediu uma bolsa universitária. Técnicos do tribunal escreveram para as duas faculdades que existiam em Pará de Minas, a cidade do presídio. Uma delas, de orientação católica, resolveu atender à solicitação, sob a condição de que o preso fizesse a prova para ingressar na faculdade - afinal, aprovado em 27º lugar para um curso que oferecia cem vagas. "Pela primeira vez na história dessa comarca, um preso conseguiu chegar à universidade e essa oportunidade vai mudar toda a história da minha vida", ele escreveu, em agradecimento ao tribunal.


Outras demandas inusitadas têm chegado ao tribunal. Uma delas é a de uma professora de música que reclamou da baixa qualidade dos violinos feitos no Brasil. Ela escreveu dizendo que "o Supremo tem feito tantas coisas boas" que deveria interceder para aumentar o plantio de pau-Brasil - a melhor madeira para a confecção de arcos de violinos. O STF até dispõe de um bosque, onde os onze ministros escolhem sementes para plantar, mas, neste caso, resolveu-se encaminhar a solicitação para entidades de reflorestamento ambiental e para o Congresso, onde talvez se aprove uma lei a favor do pau-Brasil para os violinos.

"Recebemos de tudo e não deixamos ninguém sem resposta", diz Marisa Souza Alonso, assessora-chefe da Central do Cidadão, uma secretaria do tribunal que recebe manifestações de populares. Em 2008, quando foi criada, a Central recebia cem cartas por mês. Atualmente, são 4 mil cartas, além de mensagens por fax, telefonemas, e-mails e solicitações pela internet. Segundo Marisa, muita gente não diferencia o Judiciário dos demais órgãos do Estado e por isso o Supremo é procurado por pessoas com demandas que deveriam ser atendidas pelo Legislativo, pela Receita Federal, pelo INSS ou mesmo por bancos.

O tribunal já recebeu pedidos de pessoas que querem visitar os filhos no exterior e não sabem como obter passaporte. Idosos e pessoas de meia idade vão ao STF porque querem se aposentar e não sabem como fazê-lo diante da burocracia estatal. Em situações extremas, essas pessoas enviam suas carteiras de trabalho, pedindo providências que não são atendidas pelo INSS. Em outros casos, o Supremo recebe reclamações contra cobranças indevidas de tarifas bancárias, que, naturalmente, deveriam ser remetidas ao Banco Central.

E há as críticas ao trabalho dos ministros. Se alguém envia uma mensagem contra a decisão de um dos 12 integrantes do STF, a queixa é encaminhada ao gabinete do ministro, com cópia para o reclamante, para que ele saiba que o texto chegou ao destino. As respostas às cartas são encaminhadas em, no máximo, sete dias. E-mails são respondidos em 48 horas.

Algumas pessoas pedem pareceres dos ministros sobre seus problemas pessoais, como a disputa pela guarda dos filhos. Nesses casos, a Central explica que juiz não dá parecer; vota, decide. Mas a pessoa recebe orientação sobre outros órgãos públicos que pode procurar.

Wilson Jr./Agência Estado / Wilson Jr./Agência EstadoA popularidade do ministro Joaquim Barbosa reflete, em boa medida, o prestígio do STF (na foto, ele é cumprimentado por eleitora depois de votar no pleito de outubro)
Até nos casos em que populares insultam ministros, o STF responde educadamente, encaminhando cópia do voto e explicando as razões que levaram o magistrado a tomar determinada decisão.

No julgamento do mensalão, houve muitas manifestações de apoio aos ministros que votavam pela condenação dos réus, particularmente a Barbosa, relator do processo. E surgiram críticas severas àqueles que votavam pela absolvição, como o revisor, ministro Ricardo Lewandowski. Algumas queixas foram encaminhadas ao tribunal ainda no transcurso das sessões de julgamento, como, por exemplo, a reclamação contra dois "capinhas", assistentes de ministros, que trocavam risadas atrás de Barbosa no momento em que ele apresentava seu voto. "Corremos para o plenário para avisá-los e eles pararam de rir", contou Marisa.

O STF recebeu várias receitas de remédios para as dores nas costas de Barbosa. Entre elas, uma "garrafada" de ervas medicinais para a coluna. "O Supremo passou a ocupar no imaginário popular a figura do último guardião de Justiça. Com o ministro Barbosa na presidência e o julgamento da Ação Penal 470, esse sentimento se acentuou", diz Marcos Alegre Silva, assessor-chefe adjunto da Central.

Barbosa não pode aparecer em público sem ser abordado por pessoas que querem cumprimentá-lo. Numa viagem, ao fazer uma escala de poucos minutos na base aérea de Manaus, o ministro se viu subitamente cercado por mais de dez pessoas quando foi tomar um suco numa lanchonete. Militares, aposentados e até o atendente que o serviu tiraram fotos a seu lado. Se Barbosa vai ao shopping, a fila de cumprimentos se torna quase tão grande quanto a de entrada no cinema. "Atendo um por um", disse o ministro ao Valor.

Desde o julgamento do mensalão, o presidente do STF passa por uma espécie de beatificação junto à população. Sem ser candidato à Presidência, subiu de 9% para 15% nas pesquisas, entre dezembro e junho, período que coincide com a conclusão do processo e o início dos protestos nas ruas do país.

Tornou-se comum idosos e pessoas de meia idade irem ao STF porque querem se aposentar e não sabem como lidar com a burocracia

Realizada enquanto manifestações ocorriam em várias cidades, a festa de posse de Luís Roberto Barroso, o mais novo ministro do STF, em 26 de junho, foi mais uma ocasião para o ministro Joaquim Barbosa viver momentos de popularidade. Os melhores e mais caros advogados do país conversavam com ministros do STF, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e com desembargadores. A exceção era Barbosa. Ele quase não foi procurado por integrantes da OAB ou pelas entidades de magistrados, categorias que foram alvo de suas críticas nos últimos meses. Mas era o preferido dos garçons, de desconhecidos que se misturavam aos advogados renomados e de representantes de ONGs, que fizeram várias filas para tirar fotografias a seu lado. "Sou casado, tenho um filho e sua decisão foi muito importante para mim", disse para Barbosa um militante de uma organização a favor dos direitos dos homossexuais. Ele se referia ao fato de o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sob a presidência de Barbosa, ter proibido os cartórios de negar pedidos de união estável e de casamento civil entre homossexuais. Mais três integrantes da ONG abraçaram o ministro e tiraram fotos a seu lado pelo mesmo motivo.

O alcance das decisões do Supremo é tão grande que outros ministros, além de Barbosa, veem-se cercados de atenção popular, ainda que menos intensa. Até Gilmar Mendes, conhecido por defender a tese de que muitas vezes o Supremo tem que decidir de maneira antimajoritária, no sentido contrário ao que pensa a maioria da população, de modo a esclarecê-la sobre limitações no campo do direito, foi parado no intervalo de uma sessão por uma senhora humilde que lhe apertou as mãos para agradecer pelo fato de o tribunal ter dado emprego para seu filho, um ex-presidiário. "Obrigada, ministro! Foi a chance que pedimos a Deus!"

Ao participar de um evento no Congresso, Carlos Ayres Britto, que presidiu o STF até se aposentar, em novembro, foi parado por um grupo de pessoas, que incluía um ambientalista, um integrante do movimento negro, um representante de uma ONG de apoio às favelas e um cadeirante, que atravessou o auditório para apertar-lhe as mãos. Quando todos pensavam que fossem lhe agradecer pela decisão que autorizou as pesquisas com células-tronco - Britto foi o relator do processo que se tornou uma esperança para a cura da paraplegia -, o cadeirante, emocionado, falou: "Diga para o Joaquim que continue firme. Nós temos fé nele!" Foi um recado direto para que o tribunal mantenha a decisão paradigmática do mensalão.

Após o julgamento, o STF passou a ser visto não apenas como a corte capaz de dar um basta à impunidade. Tornou-se também um lugar de peregrinação de pessoas que buscam soluções para todo tipo de problema. E, assim, aproxima-se do que foi o primeiro tribunal independente do país: a Casa de Suplicação.

Ministros foram chamados a decidir num caso de furto de três blusas estendidas no varal de uma casa no Rio Grande do Sul

Criada em 1808, com a vinda de d. João VI para o Brasil, a Casa de Suplicação fez com que as decisões tomadas no Brasil não precisassem mais ser submetidas depois à Suprema Corte de Portugal. Com essa independência, a Casa tomou decisões corajosas, como num processo, de 1815 - que até hoje se encontra nos arquivos do STF -, no qual uma mulher obteve o direito de se separar do marido que a maltratava.

Dois séculos depois, o STF recebeu ação semelhante. Em janeiro de 2011, uma mulher compareceu à Delegacia de Atendimento à Mulher de Dourados, em Mato Grosso do Sul, com um ferimento na testa que dizia ter sido provocado pelo marido, ao jogá-la contra os móveis e a parede da casa. Um ano após a denúncia, ela se retratou e a Justiça sulmatogrossense extinguiu a ação penal contra o marido. No começo deste ano, o caso chegou ao STF. Para evitar que o pedido da mulher fosse atendido, os advogados do marido alegaram que o caso fora arquivado em Mato Grosso do Sul 20 dias antes de o STF definir que a Lei Maria da Penha não admite a interrupção do processo após retratação da vítima. Com isso, queriam evitar que a interpretação do STF sobre a lei que pune a violência doméstica contra a mulher levasse à reabertura do caso. Não conseguiram. A relatora, ministra Rosa Weber, não apenas cassou a decisão como deu um pito no Judiciário sulmatogrossense. "É o Supremo o intérprete da lei, e não o legislador", justificou. Em outras palavras, o que ela ressaltou foi que a lei será aquilo que o STF disser que é.

As solicitações de interveniência do STF chegam a extremos difíceis de imaginar, como, por exemplo, se um diretor teatral é vaiado e resolve mostrar as nádegas ao público. Foi o que aconteceu com Gerald Thomas, acusado da prática de ato obsceno ao baixar as calças e simular masturbação em resposta às vaias que recebeu ao fim da sua montagem da ópera "Tristão e Isolda", de Wagner, no Teatro Municipal do Rio. No STF, o caso foi tratado como liberdade de expressão do diretor, que obteve habeas corpus para trancar ação penal que corria contra ele.

Outro caso inusitado foi uma tentativa de furto de dois DVDs num shopping em Minas Gerais. Os DVDs sequer foram levados da loja, mas a tentativa chegou ao Supremo. Uma causa de R$ 34,90. Nada comparável ao maior processo jurídico-financeiro da história do Brasil, cujo julgamento está previsto para o segundo semestre deste ano. Um caso estimado em R$ 180 bilhões: a correção dos saldos das contas de poupança e de FGTS para milhares de correntistas que alegam perdas decorrentes de planos de estabilização da economia. Mas tanto os casos de pequenos furtos quanto os de dezenas de bilhões de reais têm uma coisa em comum: tomam, e muito, o tempo dos ministros.

Há sessões do STF que começam com acalorados debates sobre questões que têm parlamentares como personagens para, logo em seguida, passar-se ao julgamento de temas técnicos previdenciários. Ou se começa com com pedidos de extradição e termina-se com causas tributárias.

Paula Simas/SCO/STF / Paula Simas/SCO/STFCadeirantes foram ao STF, acompanhar o julgamento do processo de pesquisas com células-tronco, um caso, como outros, de grande repercussão
Para os ministros, não é o Supremo que busca trazer de tudo para si, mas sim a Constituição, com os seus 250 artigos e 73 emendas. "O Supremo passou a julgar de tudo e mais um pouco porque a Constituição prevê de tudo e mais um pouco", afirmou o ministro Teori Zavascki ao Valor. Antes de ingressar no STF, ele foi ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde a situação é semelhante, com milhares de processos chegando todos os meses. "Mas o STJ tem o tamanho de três Supremos", continuou Zavascki. Responsável por uniformizar a jurisprudência para os 27 tribunais de Justiça e para os cinco Tribunais Regionais Federais (TRFs), o STJ tem 33 ministros e dispõe de turmas especializadas em direito público, privado e penal. "Aqui, no Supremo, atuamos numa clínica geral", definiu Zavascki, lembrando que, em apenas uma sessão, a 2ª turma votou dois casos de ladrões de galinha.

Esses casos são comuns no mais alto tribunal do país. Na última semana do semestre, os ministros da 2ª turma protagonizaram um debate intenso num caso aparentemente simples: o furto de três blusas estendidas no varal de uma casa, em Tapes, cidade do interior do Rio Grande do Sul. O caso foi decidido por um placar apertado. Primeiro, o ministro Celso de Mello, o decano da corte, verificou que, apesar de a moça acusada ter cometido um crime, o caso é insignificante, dado o valor dos objetos furtados: R$ 60,00. Depois, afirmou que há uma acusação de homicídio contra a moça, o que despertou a atenção dos colegas. Surgiu uma questão: deveria o Supremo trancar a ação penal contra alguém por causa de um crime banal, mesmo se contra essa pessoa há uma acusação de assassinato? Em seguida, Mello afirmou que não existe sentença transitada em julgado contra a moça por homicídio, motivo pelo qual deveria ser aplicado o princípio da presunção da inocência, pelo qual ninguém é considerado culpado até a decisão final da Justiça. Zavascki e Mendes votaram com Mello. Como a turma tem cinco ministros, o caso das três blusas seria, assim, resolvido. Mas Lewandowski divergiu. "Ela penetrou no sagrado recinto do domicílio da vítima. Isso é inaceitável." Para ele, o caso tem relevância penal. "Por acaso estavam penduradas algumas peças de roupa no varal, mas poderiam estar outros bens de maior valor, que integram o patrimônio da vítima", argumentou Lewandowski. Seu voto foi seguido pela ministra Cármen Lúcia, mas ambos foram derrotados. Ao fim, a ação penal por furto de blusas foi trancada por placar apertado, após intensa discussão: três votos a dois.

Um dia depois de ficar vencida naquele julgamento, Cármen Lúcia saiu vitoriosa ao relatar um dos processos mais importantes do STF nos últimos anos. Foi a partir de seu voto que, em poucos minutos, o tribunal mandou um parlamentar para a cadeia, pela primeira vez, desde a Constituição de 1988.

A ministra passou a tarde expedindo ofícios para a Polícia Federal, para a Justiça de Brasília e para a Câmara dos Deputados, com o objetivo de garantir que o deputado Natan Donadon (PMDB-RO) fosse preso. Precavida, Cármen Lúcia não foi à festa de posse de Roberto Barroso, o novo ministro do STF. Imaginou que seu comparecimento poderia parecer estranho depois de mandar alguém para a cadeia. Donadon se entregou dois dias depois.


O caso do deputado foi decidido muito mais rapidamente do que o da mulher que furtou as blusas, o que mostra como questões aparentemente simples ganham, por vezes, debates mais intensos do que julgamentos mais relevantes. Os ministros sabem que suas decisões interferem diretamente na vida das pessoas e, por causa desse fator - que o ministro Marco Aurélio Mello qualifica como "o peso da toga sob os ombros" -, a atenção deve ser redobrada mesmo em processos aparentemente irrelevantes.

Foi justamente o que aconteceu no caso do cotovelo inflamado. Nele, os ministros discutiram se um candidato, num concurso para a Polícia Federal, poderia marcar outra data para a prova prática porque havia contraído uma doença temporária que afetava seu cotovelo. "Confesso que quando tive dengue não deixei de comparecer ao tribunal", ironizou Marco Aurélio. O recurso do candidato foi negado, mas o caso demorou mais de uma hora para ser decidido. Foi assim porque, em alguns casos, como esse, o STF decide pelo entendimento amplo, de modo que, num julgamento, dá orientação para todos os processos semelhantes que tramitam no Judiciário. O caso do cotovelo inflamado foi julgado segundo essa sistemática, chamada de repercussão geral. O STF concluiu que candidatos a concursos públicos não podem pedir a remarcação das datas das provas por causa de doença, salvo se essa possibilidade estiver prevista no edital.

E há as situações em que, como diz o ministro Marco Aurélio, se o STF espirra, outros tribunais podem pegar uma gripe ou mesmo uma pneumonia. Acontece quando casos à primeira vista banais acabam passando por um pente fino dos ministros, justamente por causa da orientação que dão para o Judiciário como um todo. O julgamento sobre a atualização monetária do vale-refeição, assunto aparentemente hermético, levou a uma divisão de votos - empate em quatro a quatro - e pedido de vista. Isso, porque a decisão do STF terá impacto em mais de 26 mil ações judiciais. Já o julgamento em que o STF autorizou o uso de cotas para negros nas universidades foi um tema muito mais importante, mas permitiu a conclusão de apenas 158 processos no Judiciário.

O instituto da repercussão geral faz com que muitos casos aparentemente irrelevantes ganhem importância. O problema é que o princípio está sendo aplicado em demasia pelo STF e, com isso, centenas de casos de repercussão geral para o país parecem irrelevantes para serem decididos por uma Suprema Corte. A lista de causas desse tipo ultrapassa 600 temas.

"Há muito varejo nos tribunais superiores; é preciso um filtro mais radical, que diminua o número de recursos", diz o ministro Barroso

No fim de junho, por exemplo, o STF decidiu pela repercussão geral para o caso de um servidor inativo que pretende receber gratificação de desempenho por atividade de fiscalização agropecuária. É um caso técnico, distante dos julgamentos populares, como aquele em que o tribunal discutiu as pesquisas com células-tronco, que levou cadeirantes para a corte, ou a autorização para realização da "marcha da maconha", um tema polêmico, pois confrontou o uso de substância ilegal com a defesa da liberdade de expressão. Ao fim, é dada atenção a todos os processos. "Embora a demanda esteja limitada a um servidor inativo, há milhares de processos sobre a mesma matéria, sendo grande o impacto financeiro", justificou a Advocacia-Geral da União, autora do pedido de reconhecimento de repercussão geral para o caso da fiscalização agropecuária. "É preciso resolver a quantidade elevada de processos judiciais existentes sobre o assunto", concordou Zavascki, ao aceitar o pedido.

"Quando a gente acha que já viu tudo, aparecem surpresas", disse o ministro José Antonio Dias Toffoli, logo após a conclusão do caso do cotovelo. Ele se referia ao processo seguinte que o STF teve que julgar: uma lei de Goiás que permitia dar emprego a até dois parentes nos gabinetes do Judiciário, do Executivo e do Legislativo daquele Estado. Em poucas palavras, Toffoli votou contra. O ministro não precisou sequer lembrar aos colegas que a lei era frontalmente contrária a proibição de nepotismo estabelecida pelo próprio tribunal.

Aquele momento foi uma exceção no dia a dia do STF: um caso julgado rapidamente, em clima descontraído. Normalmente, as sessões exigem atenção ininterrupta dos ministros e mal dá para relaxar, como fez, numa ocasião, o já aposentado ministro Sepúlveda Pertence, durante a extradição de um americano, quando os julgamentos ainda não eram transmitidos pela TV Justiça. "Como se chama mesmo o extraditando?", perguntou Pertence, referindo-se à pessoa, cujo sobrenome era Walker. "Richard", respondeu o relator. "Ah, bom! Se fosse Johnny Walker, metade do plenário teria que se declarar impedido para julgar a causa", completou Pertence, provocando risadas.

Na semana anterior à rápida decisão que derrubou a lei nepotista de Goiás, o STF julgou outro caso que também teve contornos cômicos, mas foi tratado seriamente: uma crítica feita no blog do ex-governador do Rio Anthony Garotinho contra um adversário político. Tudo começou três anos antes, quando Garotinho atacou uma licitação da Cedae, a companhia de água e esgoto do Rio, alegando que a empresa vencedora tinha "péssima fama".

Nelson Jr./SCO/STF / Nelson Jr./SCO/STFManifestantes contrários à legalização do aborto em casos de anencefalia fazem vigília em frente ao edifício do STF
"Deseja-se que a Suprema Corte, guardiã de inúmeras coisas, do sono das pessoas, vá se ocupar de uma ação como essa?", questionou Nélio Machado, experiente criminalista, advogado de Garotinho. Ele lembrou que os ministros do STF trabalham tanto que tomam muitas decisões ainda em suas próprias casas. De fato, quem visitar os ministros em suas residências, no Lago ou na Asa Sul, vai se deparar com pilhas e mais pilhas de processos, que, em muitas ocasiões, necessitam de carros especificamente para transportá-los. Um carro leva o ministro e outro, os processos. No prédio do tribunal, empilhadeiras especiais transportam autos e papéis em grande quantidade e passam por rampas adaptadas, para que possam circular pelos corredores.

"Concordo com o ilustre advogado no que aponta que o nosso trabalho chega a ser braçal", disse Marco Aurélio, um dos ministros que leva trabalho para casa. "Costumo dizer que não sou mais um operador do direito. Ante a avalanche de processos, sou um estivador do direito", definiu.

O julgamento tomou mais de uma hora do plenário do Supremo e, ao fim, os ministros aceitaram a queixa-crime contra o político, o que significou a abertura de prazos para todas as partes envolvidas se manifestarem e produzirem provas sobre o blog. Saldo final: o STF ganhou mais uma causa para a lista de quase 90 mil processos em tramitação.

Como a lista é imensa, é impossível saber quando o caso Garotinho vai ser concluído, assim como não há como fazer previsões a respeito de quando o tribunal vai conseguir julgar os embargos interpostos pelos 25 condenados no processo do mensalão e, com isso, por um ponto final no caso mais emblemático de sua história recente. O julgamento pode durar um mês e, se isso acontecer, a fila dos demais processos vai crescer.

Atualmente, a pauta do STF está tão cheia que mesmo temas banais demoram anos para chegar ao fim. Em 29 de maio, por exemplo, o tribunal começou a julgar se as empresas que vendem água mineral podem escrever seus nomes em rótulos nos garrafões. A ação chegou à corte em 2007. Enquanto o relator, Gilmar Mendes, lia seu voto, detalhando alguns problemas práticos no setor de água mineral, como o fato de rótulos mal colados se despregarem, Rosa Weber examinava as unhas e Teori Zavascki colocava a mão direita sobre a testa e fechava os olhos, como se conferisse uma eventual dor de cabeça. O julgamento aconteceu ao fim de uma sessão lotada, numa quarta-feira. Todos estavam cansados. Quando Mendes terminou de votar, Marco Aurélio pediu adiamento, alegando que alguns ministros não estavam presentes e outros não conseguiam mais prestar atenção. Um a um, eles foram deixando o tribunal ao som do voto principal. Quando o caso for retomado, Mendes certamente terá que ler novamente seu longo voto sobre garrafões de água e rótulos.

A Central do Cidadão, criada para receber demandas populares, registra 4 mil cartas por mês, além de mensagens por outros meios

O caso da água mineral está entre os milhares que chegam ao STF e se distanciam muito do trabalho que deveria ser feito por uma corte constitucional. Na maioria dos países, os tribunais superioress não julgam todos os casos que recebem. Escolhem as teses mais importantes para o país, de modo a se dedicar a elas e dar orientações gerais à nação. No STF, isso não é possível. A mesma corte que vai decidir se as empresas podem continuar a contribuir com milhões de reais em doações às campanhas políticas terá que julgar se a acupuntura pode ser atividade também de psicólogos.

"A Suprema Corte americana tem 80 processos para julgar, enquanto o STF tem 88 mil", afirmou o ministro Luiz Fux ao abrir a audiência pública sobre financiamento privado de campanhas. A diferença está justamente em que o Supremo brasileiro não pode escolher o que vai julgar. "Se a Suprema Corte americana entender que a sociedade não está preparada para receber determinada solução, os ministros têm o poder de dizer que a sociedade não está preparada. Nossa Constituição Federal não abre essa oportunidade para o STF", disse Fux.

O STF recebeu tantos processos envolvendo queimadas em canaviais que resolveu fazer uma audiência pública específica para ouvir especialistas sobre o tema. Apenas a audiência sobre os efeitos das linhas de transmissão de energia nas pessoas levou 21 especialistas ao tribunal, em março, num intenso debate entre os que acreditam na possibilidade de câncer e aqueles que não veem riscos de qualquer doença.

"Uma corte constitucional, como o STF, deveria julgar centenas de casos e não muitos milhares", afirmou Barroso, o ministro mais novo no STF. Para ele, é preciso evitar que todo tipo de questão tenha que ser resolvida no Supremo. "Acho que há muito varejo nos tribunais superiores. Eles precisam de um filtro mais radical, que diminua o número de recursos. É preciso também uma interlocução mais adequada com a sociedade, na demonstração de que o acesso à Justiça se realiza em todo mundo em dois graus de jurisdição."

Populares que insultam ministros, por discordarem de seus votos, não deixam de receber explicações sobre as razões da decisão

Segundo Barroso, a partir da decisão da segunda instância da Justiça, a maioria dos processos deveria ser resolvida. Não seria necessário recorrer à quarta e última instância: o STF. Ele também é favorável à redução do foro privilegiado, que faz com que ministros de Estado, deputados federais e senadores só possam ser processados no STF em julgamentos que costumam ser longos e tensos. "Os tribunais superiores não estão organizados para funcionar como instância ordinária, colhendo provas. Devem discutir questões de direito e não de fato."

Os ministros são levados a situações de virtual esgotamento. A fadiga ficou visível na primeira segunda-feira de julho. Era a última sessão do semestre, convocada para limpar a pauta de processos irrelevantes para uma corte constitucional, como desapropriações de fazendas e pedidos de benefícios a juízes. Mas, rapidamente, tornou-se a sessão mais curta dos últimos dez anos. Isso, porque apenas cinco dos onze ministros compareceram. Eram necessários seis para votar processos. Então, Barbosa abriu a sessão para encerrá-la logo depois.

"Fazer o quê?!", lamentou o presidente. "Não foi possível deliberar. Aqui, temos tantos processos que é difícil fazer a triagem para definir quais serão julgados. Mas ressuscitamos os casos com repercussão geral e julgamos muito no primeiro semestre."

A rotina do STF de decidir casos simples e complexos, grandes e pequenos, processos insignificantes e outros que podem mudar a história do país, vai ser retomada em 1º de agosto. Ainda não há previsão sobre o que será julgado.

terça-feira, 23 de julho de 2013

International Journal of Constitutional Law

Pelo portal capes temos acesso ao número de abril de International Journal of Constitutional Law. Há o  que temos mais de avançado na teoria constitucional contemporânea

sábado, 20 de julho de 2013

Ventos do México

Saiu no México a obra El Constitucionalismo Popular em la América Latina. Ed. Porrua Escuela Libre del Derecho. Coordenadores são Roberto Nientro e Ana Micaela Alterio. A dificuldade é importar a obra do México. O México nos deu Miguel Carbonell no neoconstitucionalismo. Mas termos Roberto Niento Ortega que desempenha o papel de Roberto Gargarella na Argentina. Seguem em anexo dois textos de Nientro. Um deles ele comenta Barry Friedman

domingo, 7 de julho de 2013

O Direito e as jornadas de junho


 

Artigos
7julho 2013
Direito e manifestações
Reação às "Jornadas de Junho" passa pelo campo jurídico
Por José Ribas Vieira, Cecilia Caballero Lois, Vanice Lirio do Valle e Margarida Lacombe

A celebração de 25 anos da Carta de 1988 parecia alcançar uma sociedade num clima de consolidação democrática e pacificação das relações, construído no leito da Constituição-Cidadã. Eis que, à conta de uma decisão administrativa infeliz de aumento de tarifas de ônibus, deflagra-se por todo o país uma reedição das “Jornadas de Junho”, com a população nas ruas, num movimento que se inicia com a resistência ao aumento de tarifas, e culmina por vocalizar um conjunto de outros reivindicações que compreendem desde a ética na vida pública, o combate à corrupção, a melhoria dos serviços públicos essenciais, etc.
O fenômeno tomou de surpresa a classe política, que perplexa — diante da intensidade da mudança, da quietude às dezenas de milhares de pessoas às ruas — buscou construir soluções a partir do tratamento jurídico-institucional da pauta expressa nas manifestações por todo o país. Assim, da natimorta proposição formulada pela Presidente, de convocação de uma “Constituinte exclusiva” dedicada à reforma política, passando pela convocação de um plebiscito orientado à consulta à população sobre os parâmetros aplicáveis a essa mesma reforma[1]; compreendendo ainda proposta de emendas constitucionais[2] e legislação de toda ordem[3]; quase todas as reações institucionais às “Jornadas de Junho” envolvem o campo jurídico.
Curiosamente, a aferição pela doutrina da viabilidade constitucional dos mecanismos cogitados tem se dado numa perspectiva estritamente jurídica, que não denota maior comunicação com a diagnose empreendida pela sociologia e pela ciência política, ignorando que o tema transcende as fronteiras do jurídico, e não pode ser adequadamente compreendida a partir de uma perspectiva parcial.
A incorporação no imaginário da sociedade brasileira da estabilidade institucional e da normalidade na dimensão representativa do princípio democrático[4] tematizou na esfera do Direito a segunda dimensão desse mesmo vetor — aquela da participação. O Direito Administrativo foi o primeiro a incorporar esse debate, explorando mecanismos institucionais destinados à viabilização da participação cidadã na formulação das escolhas públicas[5]; escolhas essas que, como se sabe, implicam sempre em inclusões e exclusões. Avança-se na reflexão, temática da participação à governança pública, até a enunciação de um direito fundamental à boa administração[6], que teria na ampliação dos autores das decisões, um elemento de qualificação técnica e de legitimação dessas mesmas opções estratégicas.
O debate alcança o Direito Constitucional por duas distintas provocações: de um lado, a inequívoca opção da Carta de 1988 pela necessidade de edificação plural de programas de ação do Estado[7]; de outro, a necessidade de incremento de legitimidade de decisões que envolvam a cunhagem de sentido do mesmo Texto, em tempos de construtivismo constitucional. Mais do que dar vida aos preceitos que aludem expressamente à participação; o que se busca é a consolidação de práticas institucionais do poder organizado que contemplem essa abertura aos atores sociais.
Se no Legislativo esse viés se tem por claro e há mais tempo — iniciativa popular de leis e as audiências públicas no curso do processo deliberativo são ferramentas conhecidas no âmbito do Parlamento — o mesmo não se pode dizer no que toca às demais funções. Todavia, o isolamento institucional, fundado na pretensão de purismo técnico que caracterizavam tanto função administrativa quanto a judiciária não resistiu às exigências da sociedade do conhecimento.
Adentram ao cenário mecanismos que buscam criar um canal de comunicação entre instâncias do poder organizado; e deste com as diversas forças representadas na sociedade.
No campo da Administração Pública, a chamada à superação dos riscos do Estado fragmentado se dá pela recuperação dos ideais de coordenação entre instâncias de governo e sociedade. Os instrumentos por excelência serão os colegiados e conselhos com representação da sociedade; e ainda as consultas e audiências públicas, onde supostamente se traria esses novas partícipes do processo de deliberação das estratégias de ação estatal.
Mesmo o Judiciário não se mostra infenso a essa onda de valorização da coletivização das decisões. Assim, o velho debate em torno da legitimidade das decisões judiciais se vê transposto da lógica da representação argumentativa reivindicada pelo STF, para estratégias mais abrangentes de conquista deste mesmo signo, como a realização de audiências públicas, sempre inauguradas com o destaque de sua importância como elemento legitimador das decisões[8].
De outro lado, a tentativa de superação de eventuais impasses entre as diversas instâncias de poder organizado — que podem conduzir a um enfraquecimento da própria autoridade do STF — introduziram na realidade brasileira a prática dos diálogos institucionais[9], onde se pretende construir a efetividade do texto a partir de uma perspectiva de indução e colaboração recíproca.
Elemento inegável nessa trajetória do instrumental teórico que o direito vai oferecer à participação, é uma incorporação desses virtuais novos interlocutores a uma lógica de funcionamento que é pré-definida pelo próprio desenho institucional que se afigura familiar a Executivo, Legislativo e Judiciário. Aqueles que se somam à deliberação ordinária do poder (legislação, escolhas administrativas e jurisdição) se veem integrados a esses jogos não segundo padrão de manifestação que lhe seja natural, mas a partir de uma dinâmica, regras e de uma linguagem que não é a deles (agentes sociais), mas sim a do poder organizado. Dá-se aí uma insuperável tensão entre uma sociabilidade fluida e livre, e uma institucionalidade rígida e organizada, como assinalado por Janine Ribeiro[10]. O bloqueio à expressão livre dessa sociabilidade se dá pela pretensão do poder de seu enquadramento na rigidez institucional.
Essa tensão inerente ao diálogo entre a sociedade livre e plural e a institucionalidade formal e hierarquizada não é sequer percebida pelo Direito, que tem muito mais identidade com estes últimos atributos que com a flexibilidade dos primeiros. Falta ao Direito tradicional, como técnica pura, aptidão para reformular a relação entre Estado e sociedade a partir de uma perspectiva efetivamente dialógica, horizontal e firmada na consensualidade. Disso decorre uma baixa adesão à proposta de integração da sociedade a uma arena de debates onde o diálogo se revela enfraquecido pela pouca informação quanto aos elementos que integram uma determinada problemática, e pela ausência de um vocabulário comum que permita o real estabelecimento da comunicação.
Nos recentes episódios das manifestações de junho, a resposta do direito envolve, curiosamente, um conjunto de deliberações que supostamente ecoam as palavras de ordem das ruas — mas decodificam esse querer coletivo a partir de sua própria perspectiva, traduzindo-o num código que não tem (necessariamente) sentido para a sociedade nas praças. Tomemos por exemplo a já referida PEC 90/11, que afirmando constitua o transporte um direito social, pretende incorporar pela via da proteção jurídica, o reclamo da sociedade pela má prestação do serviço neste campo. Tal deliberação se traduz em resposta simbólica — posto que evidente a distância entre a enunciação de um direito social e a sua garantia com qualidade na realidade da vida.
Segunda ilustração interessante dessa falta entrosamento entre as respostas no âmbito do direito e os reclamos da sociedade desperta é a própria convocação do plebiscito no tema da reforma política, encaminhada ao Parlamento pela Presidente da República em 2/07/2013. A quantidade de variáveis envolvidas na mensagem já revela que a consulta popular cogitada envolve muito mais do que um voto de repúdio ao sistema hoje vigente — e essa era, na verdade, a mensagem da ruas: isso que se tem não é o que se deseja. É natural que o manejo de um instituto como o do plebiscito desperte indagações no que toca aos seus efeitos jurídicos[11]; a questão está em que essas dificuldades técnicas são ininteligíveis para a massa nas ruas, e podem soar como um simples exercício de bloqueio pelo direito, que tendo a sua origem no povo, não deveria se pôr como mecanismo de embaraço ao seu próprio querer[12].
Se as Jornadas de Junho no Brasil dos 25 anos da Constituição de 1988 representam o despertar da Cidadania que em sua promulgação a ela se associava inclusive no apelido emprestado por Ulisses Guimarães (a Constituição-Cidadã), é preciso que o construtivismo constitucional reencontre esse caminho para investir igualmente no braço dos direitos, e naquele da política que não se resume à partidária, mas que compreende a manifestação democrática do povo nas ruas, mas também o provimento da incorporação dessa vontade popular à deliberação pública. Limongi[13] destaca a despolitização da última década, com a perda pela sociedade do sentimento de pertencimento a esse cenário onde se formulam as escolhas públicas. O despertar das ruas evidencia uma superação desse estado de anestesia em relação à vida política — o que reclama de outro lado, uma revisão das instituições no sentido de viabilizar essa nova práxis, onde mesmo as escolhas alocativas associadas à proteção de direitos fundamentais decorram não de um obscuro critério tecnocrático, mas de um processo de formulação de prioridades nas escolhas trágicas que o mundo da vida reclama.
O constitucionalismo democrático destacado por Post e Siegal[14] envolve justamente o reconhecimento dessa indispensável oxigenação do sentido constitucional a partir de um diálogo com os seus destinatários que permita que o desejo de mudança não se transforme em violência, mas encontre seus canais de vocalização junto às estruturas do poder. A manifestação democrática dos reais detentores do poder é de ser vista não como uma ameaça à estabilidade das instituições, mas como um lembrete de que estas estão a serviço do povo, e portanto, devem ser receptivas às suas percepções e demandas. É nessa adaptação das estruturas institucionais postas pela Teoria do Estado e da Constituição mais tradicionais aos reclamos da cidadania desperta que o Direito tem um papel relevante de equilibrar o caráter democrático do Estado, com o per legem e sub legem do agir do poder que se consolidaram como conquistas históricas.
Se o Direito é ciência que pretende ordenar o convívio social, ele não se pode construir sem uma visão real, enriquecida pelas demais ciências sociais, dessa coletividade sobre a qual ele pretende incidir.
25 anos de Constituição Brasileira são uma conquista democrática — mas o grande desafio que os próximos 25 anos nos reservam é a aproximação entre Direito e Política — ambos com as devidas maiúsculas.
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[1] A proposta encaminhada pela Presidente da República em 2/07/2013 ao Parlamento sugere a convocação de um plebiscito que compreenda 5 pontos: 1) financiamento das campanhas; 2) definição do sistema eleitoral; 3) preservação eleição de suplentes para o Senado Federa; 4) manutenção das coligações partidárias como possibilidade para os pleitos; e 5) fim do voto secreto no Parlamento.
[2] Mereceram impulso junto ao Parlamento, provocadas pelas manifestações de junho passado, a PEC 90/11, que inclui o transporte como direito social e a PEC 349/01, que visa abolir o voto secreto na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
[3] No campo das iniciativas legislativas, vale indicar a aceleração no processamento do PL 6616/09, enviado pelo Executivo durante o governo Lula, que torna corrupção crime hediondo; e o substitutivo do deputado André Figueiredo (PDT-CE) ao Projeto de Lei 323/07, que vincula a aplicação de recursos originários de royalties de petróleo à educação e saúde.
[4] É de Barroso a afirmação de que o sinal mais candente do sucesso institucional da Constituição de 1988 foi sua aptidão para conduzir o país e o exercício da politica em momentos de crise, sem que se cogitasse de qualquer rutura na normalidade institucional (BARROSO, Luis Roberto, “Vinte anos da constituição brasileira: o Estado a que chegamos”, disponível em http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art20081127-03.pdf, acesso em 7 de janeiro de 2010.).
[5] É de Moreira Neto a incorporação ao cenário doutrinário brasileiro da ideia de consensualidade como estratégia de desenvolvimento da função administrativa, apartando-se de uma velha compreensão da relação entre Estado e cidadania fundada em relações verticais e de subordinação (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Quatro paradigmas do Direito Administrativo pós-moderno. Legitimidade – finalidade – eficiência – resultados. Belo Horizonte: Editora Forum, 2008).
[6] VALLE, Vanice Regina Lírio do. Direito fundamental à boa administração e governança. Belo Horizonte: Editora Forum, 2011.
[7] As referências a um dever de parte da sociedade para com a promoção da seguridade social, da proteção à infância e adolescência – dentre outras –permeiam todo o texto constitucional, evidenciando que a delimitação do sentido daqueles direitos é atividade de interpretação constitucional que não prescinde do concurso da cidadania.
[8]VALLE, Vanice Regina Lírio do (org.). Audiências públicas e ativismo: diálogos sociais no STF. Belo Horizonte: Editora Forum, 2012.
[9] SILVA, Cecília de Almeida, MOURA, Francisco, BERMAN, José Guilherme, VIEIRA, José Ribas, TAVARES, Rodrigo e VALLE, Vanice Regina Lírio do. Diálogos institucionais e ativismo. Curitiba: Juruá, 2010.
[10]RIBEIRO, Renato Janine. “O movimento que pareceu sair do nada”, Jornal Valor Econômico, 24/06/2013; e “Marina Silva e as cidadanias perdidas”, publicado no mesmo veículo, 1º/07/2013.
[11]A entrevista do Min. Gilmar Mendes à Folha de São Paulo em 1o/07/2013 evidencia as dificuldades não só de caráter operacional para a realização em si do plebiscito, mas ainda o conjunto de variáveis relevantes ainda não equacionadas acerca em especial, dos efeitos do ali deliberado sobre a atuação posterior do Congresso Nacional.
[12] É de se ter em conta que mesmo o conceito de cláusulas pétreas insculpidas na Carta de 1988, tão caro aos juristas, suscita ainda o debate em torno do “governo dos mortos”. Se essa contradita se põe entre os técnicos, com maior razão a perplexidade se porá em relação à cidadania.
[13] LIMONGI, Fernando. “Vontade popular pronta e acabada é presunção”, publicado no Jornal Valor Econômico de 1o/07/2013.
[14] POST, Robert and SIEGAL, Reva B., Roe Rage: Democratic Constitutionalism and Backlash. Harvard Civil Rights-Civil Liberties Law Review, 2007; Yale Law School, Public Law Working Paper No. 131. Disponível em SSRN: http://ssrn.com/abstract=990968, acesso em 2/07/2013.
José Ribas Vieira é professor da UFRJ, da PUC-Rio e da Ibmec-RJ.
Cecilia Caballero Lois é pós-doutora em Direito pela PUC-Rio, mestre e doutora pela UFSC. É professora de Teoria da Constituição dos cursos de pós-graduação e graduação da UFRJ e pesquisadora do Observatório da Justiça Brasileira – OJB.
Vanice Lirio do Valle é procuradora do Município do Rio de Janeiro e professora do PPGD/Estacio de Sá
Margarida Lacombe é professora adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisadora do Observatório da Justiça Brasileira da UFRJ
Revista Consultor Jurídico, 7 de julho de 2013