quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

TJ-SP versus CNJ

Folha

Juízes receberam benefício por anos em que eram advogados



Pagamento de licenças-prêmio em tribunal de SP é investigado pelo CNJ



Dois juízes receberam benefício de 450 dias referente ao tempo em que advogaram; eles não se manifestaram



FLÁVIO FERREIRA

DE SÃO PAULO



O Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu a 22 desembargadores licenças-prêmio referentes a períodos em que eles trabalharam como advogados, anteriores ao ingresso no serviço público.



Em dois casos, o benefício referente ao período em que atuaram por conta própria chegou a um ano e três meses -ou 450 dias.



O pagamento das licenças-prêmio está sob investigação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e foi anulado pelo próprio tribunal um dia depois de o conselho iniciar uma devassa na folha de pagamento da corte paulista, no último dia 5.



A atuação do CNJ divide o mundo jurídico desde que o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello concedeu liminar impedindo que o conselho abra por iniciativa própria investigação contra juízes (leia entrevistas na pág A8).



A corte possui 353 desembargadores e, segundo a lei, um quinto de seus membros deve ter origem na advocacia ou no Ministério Público.



São os pagamentos feitos a parte dos desembargadores que entraram no tribunal pela cota reservada aos advogados que agora estão sendo analisados pelo CNJ.



A licença-prêmio é um benefício concedido a todos os servidores. A cada cinco anos de trabalho, eles têm direito a três meses de licença.



O tribunal pode converter a licença em pagamento em dinheiro. Cada 30 dias do benefício corresponde a um salário -o dos desembargadores é de R$ 24 mil.



As concessões sob análise começaram a ser pagas em julho de 2010, na gestão do desembargador Antonio Carlos Viana Santos, morto em janeiro, e continuaram sob a administração do atual presidente, José Roberto Bedran.



As maiores licenças-prêmio referentes ao período de exercício da advocacia (450 dias) foram concedidas aos desembargadores José Reynaldo Peixoto de Souza e Hugo Crepaldi Neto.



O cálculo do benefício para Souza teve como marco inicial o ano de 1976, quando atuava como advogado. Ele só ingressou no tribunal 25 anos depois, em 2001.



A licença-prêmio de Crepaldi Neto foi contada de 1983 a 2010, quando ele foi escolhido para compor o tribunal.



Segundo o presidente da Associação Paulista de Magistrados, Paulo Dimas de Bellis Mascaretti, o pagamento tem como base uma interpretação da Loman (Lei Orgânica da Magistratura).



A lei permite que magistrados contem, para fins de aposentadoria, até 15 anos do tempo em que atuaram como advogados. Porém, a Loman não trata da licença-prêmio.



O TJ-SP deverá julgar o caso após o recesso de janeiro.



A corte também é investigada pelo CNJ por supostos pagamentos de verbas relativas a auxílio moradia de forma privilegiada. O conselho apura ainda possíveis casos de enriquecimento ilícito.



Temas do STF para 2012

Valor

Temas de peso devem ser julgados pelo STF em 2012

Por Maíra Magro
De Brasília





Ampliar imagemMarco André Dunley Gomes: grandes questões ficaram para o ano que vem

Pelo menos dois temas de peso tanto para as finanças das empresas quanto da União deixaram de ser definidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) este ano. A expectativa é de que a discussão sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, além da cobrança dessa contribuição dos bancos, sejam julgadas em 2012



"As grandes questões ficaram para o ano que vem", diz o advogado Marco André Dunley Gomes, que acompanha julgamentos de temas fiscais nas principais Cortes do país, fazendo coro à percepção da maioria dos especialistas consultados pelo Valor.



Para 2012, portanto, é aguardado o julgamento da ação declaratória de constitucionalidade (ADC) nº 18. A análise definirá se é constitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins. Essa ação tramita no STF desde 2007, com o mesmo tema de um recurso extraordinário levado a julgamento um ano antes - mas não finalizado em razão de um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.



Na prática, excluir o imposto estadual do cálculo da Cofins - que incide sobre a receita bruta das empresas - significa recolher menos contribuição. Se a União perdesse a disputa, teria que devolver aos contribuintes cerca de R$ 84,4 bilhões pelo período de 2003 a 2008, conforme cálculo da Receita Federal presente na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2011.



Também terminou o ano sem definição o caso que discute quais tipos de receitas compõem o faturamento das instituições financeiras, para calcular a cobrança do PIS e da Cofins. A disputa envolve mais de R$ 40 bilhões, segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. O STF definirá se a contribuição incide sobre as receitas geradas a partir da intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros. O entendimento é defendido pela Fazenda, mas os bancos sustentam que a contribuição recai sobre os valores das tarifas cobradas dos clientes.



Embora tenha voltado à pauta do Supremo este ano, a discussão sobre a cobrança de IR e CSLL sobre os lucros de controladas e coligadas no exterior também continua sem resolução. Após quatro anos suspenso, o julgamento foi retomado, mas ainda depende de um voto do ministro Joaquim Barbosa, que estava ausente à sessão por questões de saúde.



Mas o Supremo definiu algumas questões tributárias importantes. Uma das principais diz respeito à aplicação da Lei Complementar 118 - que baixou de dez para cinco anos o prazo para as empresas pleitearem, na Justiça, tributos pagos a mais. Em agosto, o STF decidiu que a lei não deve ser aplicada de forma retroativa, mas fixou que o critério para avaliar qual prazo deve ser empregado é o momento de ingresso da ação. Por um lado, foi uma perda para os contribuintes, já que o STJ garantia o prazo de dez anos para tributos pagos até a publicação da lei.



"O ano foi desfavorável aos contribuintes no Supremo", diz o advogado Igor Mauler Santiago, do Sacha Calmon, Misabel Derzi Consultores e Advogados, para quem a maior parte das decisões tributárias da Corte favoreceu a Fazenda. Outra perda relevante para os contribuintes foi a conclusão de que o PIS e a Cofins incidem mesmo sobre as vendas a prazo inadimplidas - quando o consumidor não paga pelo produto. A tributação dos lucros das controladas do exterior também caminha para um resultado desfavorável às empresas.



Os contribuintes conseguiram ganhos em questões mais específicas, como a não incidência do ICMS sobre a venda de sucatas de veículos com perda total, e o prazo de 90 dias para valer o aumento do IPI dos veículos importados.



No STJ, uma questão importante que ficou para o ano que vem é a definição do conceito de insumo - fundamental para saber se as empresas podem ou não compensar alguns créditos de PIS e Cofins, como aqueles resultantes da compra de material de limpeza, serviços de higienização e dedetização. A 2ª Turma começou a julgar um processo sobre o assunto em junho, envolvendo uma empresa de alimentos. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista.



Por outro lado, o STJ definiu algumas questões favoráveis aos contribuintes. Entre elas, a não incidência de IR sobre juros de mora recebidos em reclamatória trabalhista, e a impossibilidade de estorno de créditos de ICMS pelo Estado de destino de mercadorias beneficiadas por incentivos fiscais.



O Fisco também conseguiu alguns ganhos no tribunal, como a impossibilidade de as empresas deduzirem prejuízos das controladas no exterior, para a apuração do resultado da controladora nacional. Outra foi a avaliação dos precatórios pelo valor de mercado, e não pelo valor de face, em leilões resultantes de garantias de execuções fiscais. "O tribunal evoluiu e julgou questões relevantes, mas ainda vive uma crise de oscilação jurisprudencial", diz o advogado Luiz Gustavo Bichara, do Bichara, Barata & Costa Advogados.



A explicação recorrente para questões importantes terem ficado de fora da pauta do Supremo é de que a Corte estava ocupada com questões de política, como a Lei da Ficha Limpa e seus desdobramentos, além do processo do mensalão. O STJ, por sua vez, passou por mudanças recentes na composição das duas turmas de direito público, responsáveis pelos casos tributários, com a saída de três ministros: Luiz Fux, Hamilton Carvalhido e Eliana Calmon.

sábado, 24 de dezembro de 2011

STF versus CNJ

Folha de S. Paulo
Juízes defendem corregedora do CNJ e expõem racha da categoria

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FREDERICO VASCONCELOS

DE SÃO PAULO

FILIPE COUTINHO

DE BRASÍLIA



Um grupo de juízes federais começou a coletar ontem assinaturas para um manifesto público condenando as críticas feitas pela Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) à atuação da corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon.



"Entendemos que a agressividade das notas públicas da Ajufe não retrata o sentimento da magistatura federal. Em princípio, os juízes federais não são contrários a investigações, promovidas pela corregedora. Se eventual abuso investigatório ocorrer é questão a ser analisada concretamente", afirma o manifesto, para realçar que "não soa razoável, de plano, impedir a atuação de controle da corregedoria".



STJ também pagou benefício investigado por conselho

Corregedora do CNJ reclama de corporativismo de associações

Varredura em 217 mil nomes motivou guerra no Judiciário

Em nota, ministro do STF nega ter sido beneficiado por decisão

Ministro do Supremo beneficiou a si próprio ao paralisar inspeção



Adriano Vizoni - 17.out.2011/Folhapress



No auditório da Folha, Corregedora do CNJ, Eliana Calmon, durante debate sobre poder de investigação do conselho

A ideia surgiu em lista de discussão de magistrados federais na internet. Foi proposta pelo juiz federal Rogério Polezze, de São Paulo.



Ganhou adesões após a manifestação do juiz Sergio Moro, do Paraná, especializado em casos de lavagem de dinheiro, não convencido de que houve quebra de sigilo de 200 mil juízes.

"Não estou de acordo com as ações propostas no STF nem com as desastradas declarações e notas na imprensa", disse Moro. "É duro como associado fazer parte dos ataques contra a ministra."



"Não me sinto representado pela Ajufe, apesar de filiado", afirmou o juiz federal Jeferson Schneider, do Paraná, em mensagem na lista de discussão dos juízes. Marcello Enes Figueira disse que "assinava em baixo do que afirmou o colega Sergio Moro".



O juiz federal Odilon de Oliveira, de Campo Grande (MS), também aderiu, afirmando que "entregar" a ministra era um "absurdo" que a Ajufe cometia. "A atitude da Ajufe, em represália à ministra é inaceitável", diz o juiz Eduardo Cubas, de Goiás.



O juiz Roberto Wanderley Nogueira, de Pernambuco, criticou as manifestações das entidades. E disse que "a ministra não merece ser censurada, e tanto menos execrada pelos seus iguais, pois seu único pecado foi ser implacável contra a corrupção".



O presidente da Ajufe, Gabriel Wedy, atribuiu a iniciativa à proximidade das eleições para renovação da diretoria da Ajufe, em fevereiro. "É um número bastante pequeno, diante de 2.000 juízes federais", disse. "São manifestações democráticas e respeitamos o direito de crítica."



A Ajufe e outras duas associações de juízes entraram ontem com representação na Procuradoria-Geral da República contra Calmon, para que seja investigada sua conduta na investigação sobre pagamentos atípicos a magistrados e servidores.



Para os juízes, a ministra quebrou o sigilo fiscal dos investigados, ao pedir que os tribunais encaminhassem as declarações de imposto de renda dos juízes.



"Não se pode determinar ou promover a 'inspeção' das 'declarações de bens e valores' dessas pessoas, porque tais declarações são sigilosas e não poderiam ser objeto de qualquer exame por parte da corregedora nacional de Justiça", diz a representação.



Calmon não comentou a representação dos juízes. Anteontem, a ministra disse que os magistrados e servidores são obrigados a entregar aos tribunais todo ano a declaração de Imposto de Renda.



Segundo Calmon, os dados são entregues aos tribunais justamente para que a corregedoria tenha acesso, e não para "ficarem dentro de arquivos".



O objetivo da corregedora é cruzar as informações com levantamento do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que apontou 3.438 juízes e servidores com movimentações atípicas.



A polêmica começou quando o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski mandou parar a investigação no Tribunal de Justiça de São Paulo, primeiro alvo da corregedoria do CNJ.



Os juízes então passaram a acusar a ministra Eliana Calmon de quebrar o sigilo de todos os magistrados e servidores que foram alvo da varredura do Coaf, um total de mais 200 mil pessoas.



A ministra rebateu e disse que as acusações são uma maneira de tirar o foco da investigação do CNJ

STF e as drogas

STF vai discutir se uso de droga é crime no país (Folha de São Paulo)





Supremo analisa se consumo é apenas um direito individual dos usuários



A ação foi apresentada pela Defensoria Pública de SP após um preso ser flagrado com trouxinha de droga na marmita



FILIPE COUTINHO

FELIPE SELIGMAN

DE BRASÍLIA



O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu colocar em votação processo que questiona se usar droga é crime ou somente direito individual.



No início do mês, os ministros do órgão decretaram a repercussão geral da discussão sobre o porte de drogas.



Isso significa que casos idênticos em todas instâncias da Justiça terão a mesma decisão a ser tomada pelo STF.



É decretada a repercussão geral quando ao menos 8 dos 11 ministros do Supremo entendem que o caso é relevante ao Judiciário e à sociedade.



Esse julgamento será o primeiro em que a mais elevada instância da Justiça brasileira discutirá o uso de drogas -em 2009, a Suprema Corte da Argentina travou discussão semelhante e considerou inconstitucional punição para quem consome maconha.



No caso brasileiro, o processo que originou a discussão se refere a consumidor de maconha, mas a decisão do STF valerá a todas as drogas.



Não há previsão de quando o caso será julgado. O ministro-relator, Gilmar Mendes, pode realizar audiências públicas com especialistas, como o STF já fez em outros casos polêmicos.



Pela lei, usar droga é crime, embora, desde 2006, não haja cadeia para os punidos.



O condenado deixa de ser réu primário e tem como pena máxima dez meses de prestação de serviços comunitários, além de multa.



Se o Supremo decidir que não há crime, o usuário, em tese, não poderá receber nem advertência, a mais branda das punições previstas na lei.



A ação que será julgada pelo STF foi movida pela Defensoria Pública de São Paulo.



VIDA PRIVADA



Os defensores entendem que a lei que criminaliza as drogas fere a Constituição, que garante o direito intimidade e vida privada.



A ação afirma ainda que quem usa droga não prejudica ninguém, além de si próprio, o que seria o exercício do direito à privacidade.



"O porte para uso de entorpecentes não produz nenhuma lesão a bem jurídico alheio. O usuário não cria um risco para qualquer valor juridicamente relevante, especialmente para a saúde pública", diz a Defensoria.



USUÁRIO



A ação apresentada pela Defensoria trata da condenação a dois meses de serviço comunitário de preso pego, dentro da cadeia em Diadema (ABC), com maconha escondida na marmita.



Os agentes disseram que Francisco Benedito de Souza confessou o porte da maconha. À Justiça, ele negou e disse que não era usuário. Havia outros 32 presos na cela onde a droga foi achada.



quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Cnj versus STF

Folha 22 de dezembro de 2011

Ação de ministro que parou investigação divide Supremo



Presidente do STF defende colega, mas outros veem conflito de interesse



Como Lewandowski, Cezar Peluso está entre beneficiários de pagamentos suspeitos; ele recebeu R$ 700 mil



FELIPE SELIGMAN

VALDO CRUZ

DE BRASÍLIA

Mônica Bergamo

COLUNISTA DA FOLHA



O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Cezar Peluso, saiu ontem em defesa do ministro Ricardo Lewandowski, que nesta semana paralisou inspeções do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) sobre pagamentos milionários feitos por tribunais estaduais a magistrados.



Como a Folha revelou ontem, Lewandowski e o próprio Peluso estão entre os beneficiários de pagamentos que chamaram a atenção do CNJ. Os dois ministros eram desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo antes de irem para o STF.



Três outros ministros do Supremo, que aceitaram falar à Folha sobre o caso desde que não fossem identificados, disseram que Lewandowski deveria ter evitado se pronunciar sobre o assunto, por causa do seu envolvimento pessoal com a questão.



Lewandowski não é alvo da investigação do CNJ, porque ministros do Supremo só podem ser processados pelo Senado. Mas ele beneficiou diretamente seus antigos colegas no tribunal de São Paulo ao paralisar a investigação.



Em nota divulgada ontem, Peluso afirmou que Lewandowski "agiu no estrito cumprimento de seu dever legal" e que "inexistia e inexiste" condição que o impeça de atuar no caso.



Por meio de sua assessoria, Peluso afirmou que o fato de ter recebido R$ 700 mil em pagamentos do tribunal de São Paulo não o impede de opinar sobre o CNJ porque ele não está sujeito à fiscalização do conselho.



Até ter seu trabalho suspenso por Lewandowski, a corregedoria do CNJ havia iniciado investigações em 22 tribunais estaduais.



A intenção era saber se os magistrados teriam recebido pagamentos indevidos e aumentado o patrimônio de uma maneira incompatível com suas rendas.



A investigação começou em novembro em São Paulo, onde foram identificados vários pagamentos associados a uma pendência salarial da década de 1990, quando o auxílio-moradia pago a deputados e senadores foi estendido a juízes de todo o país.



Segundo Peluso, "a vida funcional do ministro Lewandowski e dos demais ministros do Supremo Tribunal Federal não pode ser objeto de cogitação, de investigação ou de violação de sigilo fiscal e bancário por parte da Corregedoria [do CNJ]".



Em nota, a corregedoria afirmou não ter quebrado sigilo fiscal nem bancário de ninguém. Disse também que todas as informações que requisitou, "como órgão de controle", são relativas a declarações de bens e à folha de pagamento e que nunca foram vazadas.





terça-feira, 20 de dezembro de 2011

STF e CNJ

Valor

Supremo limita poderes do CNJ para punir juízes

Por Daniela Martins
De Brasília





Ampliar imagemMarco Aurélio Mello (à esquerda de Ayres Brito): ministro decidiu sob alegação de que caso não foi julgado pela Corte e recebeu crítica de Cezar Peluso

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello decidiu, ontem, limitar os poderes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para investigar e punir magistrados suspeitos de irregularidades. Cabe recurso à liminar concedida e o plenário da Corte deve julgar o tema em caráter final só a partir de fevereiro, quando acaba o recesso do Judiciário.



A ação - que foi proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e esteve por 13 vezes na pauta do plenário - não tinha sido ainda apreciada pelos ministros. Marco Aurélio, relator do processo, justifica em sua decisão que o regimento interno do Supremo Tribunal Federal permite determinar providências até a análise do colegiado.



O ministro defende que o Conselho Nacional de Justiça não pode atuar antes das corregedorias dos próprios tribunais. Marco Aurélio aponta que o CNJ tem competência subsidiária em âmbito disciplinar.



Até então, o CNJ tinha o poder de abrir investigações e concentrar apurações em andamento nos Estados. "As competências atribuídas ao Conselho Nacional de Justiça pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, produzem inevitável tensão entre a autonomia dos tribunais e a atuação do órgão", justifica.



A ação da AMB ataca a inconstitucionalidade da punição de juízes prevista em resolução do CNJ. A decisão de Marco Aurélio suspende a eficácia de regras criadas pelo próprio Conselho para uniformizar a investigação de juízes.



"Esclareço que, ao contrário do que se tem propagado, a suspensão da eficácia das normas citadas não significa tolher a atuação do Conselho Nacional de Justiça. Significa, isso sim, que esse órgão deve observar as esferas de competência normativa que o Constituinte reservou ao próprio Congresso Nacional e aos tribunais", justifica.



No entanto, o ministro apontou que o CNJ poderá investigar magistrados caso haja indícios de problemas na apuração dos casos, como demora excessiva na análise das denúncias ou suspeitas de interferências nos processos. "O CNJ não pode avocar pela capa do processo. Pode se perceber que não se está tocando como deveria ser tocado. O que não pode, em última análise, é atropelar. O processo não está acima da Constituição. Toda a concentração de poder é perniciosa. E a História revela bem isso", disse Marco Aurélio.



A Advocacia Geral da União (AGU) comunicou, por meio da sua assessoria de imprensa, que vai recorrer, ainda nesta semana, da decisão. O presidente do STF e do CNJ, Cezar Peluso, por sua vez, evitou comentar o conteúdo da decisão. Mas rebateu o argumento apontado por Marco Aurélio de que julgou individualmente a questão depois de o processo não ser analisado em plenário após 13 sessões. "O plenário tem, há mais de cinco anos, mais 700 processos que entram em pauta não 13, mas mais de 50 vezes", disse.



O presidente da AMB, Nelson Calandra, afirmou que a associação "fica satisfeita" com a decisão. "Não procuramos tirar poder do CNJ, queremos evitar trabalhos inúteis. Que primeiro seja executada a competência dos tribunais e, depois, que o CNJ intervenha. Não podemos partir do preconceito de que todos os tribunais brasileiros são incompetentes e parciais para julgar juízes. Isso transmite insegurança para os cidadãos que são julgados nos tribunais brasileiros", defendeu.



O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, criticou a limitação de poderes do CNJ. "[A decisão] Não pode permanecer porque retira da sociedade o controle que ela passou a ter sobre a magistratura. Não no tocante ao mérito em si de suas decisões, mas no que se refere ao comportamento ético dos juízes", disse.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Ackerman e a Europa

Los Angeles Times


December 14, 2011

Are we witnessing the birth of the United States of Europe?



There are uncanny similarities between the current round of wheeling and dealing and the founding of the United States of America. The Philadelphia Convention of 1787 represented America's second try at continental union. In 1781, the 13 states had come together behind a treaty-constitution that broadly resembles present European arrangements.



America's first effort was the Articles of Confederation. Like the European Union treaties, it guaranteed each citizen's right to move throughout the confederation and exercise all the economic privileges of home-staters. It also created a weak unicameral Congress and a judiciary for resolving inter-state disputes. But it did not grant the confederation independent powers of taxation, preventing it from guaranteeing the large war debts issued by each of the states. Because many states were in shaky financial condition, their bonds had dramatically depreciated in value, undermining the confidence of European investors in New World projects.



This was one of the problems motivating the movement "for a more perfect union."



The Constitution of 1787 granted new powers to impose taxes and set up an analogue to the Bank of England. Once it came into effect, the federal government moved quickly to create a national bank and to pay the depreciated state debt. This ended the credit crisis and established the credibility of the infant republic in European financial markets.



But before all this could happen, the founders confronted a threshold problem: So long as they were living under the laws of the confederation, it would be impossible to get their new Constitution ratified. Like the current European Union treaties, the Articles of Confederation explicitly required unanimous consent to any revision of its terms, and it was perfectly obvious that no such consent would be forthcoming.



Rhode Island was the Britain of its time — this small trading state was unwilling to give up its sovereignty to the federal colossus. It refused to send delegates to the Philadelphia Convention, denouncing it as an illegal secessionist assembly, which is precisely what it turned out to be. After a summer of secret sessions, the Philadelphians went public with a document proclaiming that, despite the articles' requirement of unanimous consent, the new Constitution would spring to life when only nine of the 13 states ratified.



Confronting this revolutionary change in the rules of the game, Rhode Island simply refused to play, as did North Carolina. When the first Congress met in 1789, there were 11 states in the union. The dissenting states caved under pressure — with Rhode Island entering in 1790 only when Congress began threatening to impose tariffs on its trade unless it abandoned the veto solemnly granted to it by the Articles of Confederation.



These embarrassing facts have long been forgotten, even by most serious students of the U.S. Constitution. But they put the current crisis in a new light.



The members of the new Eurozone treaty won't bludgeon Britain into Rhode Island-style capitulation. But if British Prime Minister David Cameron stands firm, his veto will likely lead to the ultimate exclusion of his nation from the EU. The projected treaty will create a large bloc whose interests systematically diverge from other members, but which will depend on a steady flow of supportive decisions by EU institutions to maintain the Eurozone's credibility.



Given these dynamics, Cameron is simply fooling himself if he really believes "that the EU institutions — the court, the commission — [would] work for all 27 nations" when this would compromise the euro bloc's fundamental interests. When Britain tries to undermine ongoing support for the Eurozone, it will predictably provoke a constitutional crisis — in which the euro bloc will eject Britain to prevent its continuing acts of sabotage.



This is a time for some serious diplomacy from the Obama administration. The United States should help bridge the gap between the Continent and Britain's divided coalition of conservatives and liberals, encouraging both sides to return to the bargaining table. If left unchecked, the current institutional dynamics will generate a United States of Continental Europe at an unacceptable price, gravely weakening the West for a very long time to come.



Bruce Ackerman is a professor of law and political science at Yale and the author of "We the People: Transformation

Suprema Corte e imigrantes

Folha  13 de dezembro de 2011

Suprema Corte julgará lei anti-imigrantes



Máxima instância da Justiça dos EUA analisará medida em vigor no Estado do Arizona



DE WASHINGTON



Em uma decisão que promete esquentar a campanha eleitoral americana em 2012, a Suprema Corte dos EUA anunciou ontem que examinará a controversa lei anti-imigrantes do Estado do Arizona para determinar se ela atropela a Constituição.



Entre outras coisas, a legislação em questão torna crime um imigrante sem documentos procurar emprego e dá à polícia direito de deter sem mandado qualquer suspeito de cometer delitos que possam resultar em deportação, mesmo sem provas.



Além disso, obriga os policiais a perguntar o status migratório de pessoas detidas ou paradas em blitzes (inclusive de trânsito) e torna crime um imigrante não se registrar no país como tal.



O governo contestou as cláusulas, alegando conflito entre o que vigora no Estado e o que é imposto em legislação federal.



Porque são uma federação, os EUA permitem a cada Estado fixar suas leis, contanto que elas não violem a Constituição nem atropelem determinações federais. E, pela Constituição, cabe ao Congresso estabelecer "regras uniformes de naturalização".



Em maio, a Suprema Corte examinou e manteve outra lei anti-imigrantes no Arizona, que punia com a cassação da licença empresas e negócios que contratassem imigrantes sem documento.



Com o crescimento do eleitorado latino nos últimos anos e a crise de desemprego, o assunto será crucial na corrida eleitoral que começa em janeiro, sobretudo em Estados de peso no resultado da eleição como Flórida, Texas e Califórnia.



Não há ainda, porém, data para as deliberações.



Nova ministra

Folha de S.Paulo
Nova ministra do STF é aprovada sob críticas



Experiência de Rosa Weber foi questionada no plenário por senadores do DEM e do PDT, que a chamaram de despreparada



Posse de ministra no Supremo deve ocorrer no ano que vem; ela não foi encontrada para comentar as críticas



MÁRCIO FALCÃO

DE BRASÍLIA



Sob críticas de que não tem experiência suficiente, Rosa Maria Weber teve sua indicação para o STF (Supremo Tribunal Federal) aprovada ontem pelo Senado. Ela recebeu 57 votos favoráveis, 14 contrários e uma abstenção.



Os senadores Pedro Taques (PDT-MT) e Demóstenes Torres (DEM-GO) disseram que a nova ministra não demonstrou ter notório saber jurídico, requisito constitucional exigido para o cargo.



Logo após a sabatina de Weber no início do mês, alguns congressistas já haviam comentado nos bastidores que ficaram com uma má impressão da ministra.



Ontem, durante a votação, Taques, que é ex-membro do Ministério Público Federal, disse que ela deixou várias perguntas sem resposta durante a sabatina.



"Não cabe ao indicado do STF chegar na sabatina e afirmar que vai estudar determinados temas. A Constituição exige de ministro notório conhecimento jurídico."



Demóstenes reforçou o discurso. "A rejeição não é pelo fato de ser amiga da presidente. De alguma forma tem que ter proximidade, mas ela não deu conta de ser sabatinada."



A reportagem não localizou Weber ontem.



Após as reclamações, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) saiu em defesa da qualificação da ministra. Para o peemedebista, ela não foi bem na sabatina porque Taques preparou pegadinhas.



Escolhida pela presidente Dilma, ela será a terceira mulher a se tornar ministra do STF e ocupará a vaga deixada por Ellen Gracie, que decidiu se aposentar.



Juíza trabalhista de carreira, Weber é hoje ministra do TST (Tribunal Superior do Trabalho). Sua posse pode ficar para o ano que vem





sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Ficha Limpa

Valor

Pedido de vista adia julgamento da Ficha Limpa

Por Juliano Basile
De Brasília



O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou ontem o julgamento sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa para as eleições de 2012, mas um novo pedido de vista adiou a conclusão.



Em 9 de novembro, o ministro Joaquim Barbosa pediu para analisar melhor a questão e pediu vista. Ontem, Barbosa levou um voto amplamente favorável à lei, mas houve novo pedido de vista. Dessa vez, foi o ministro José Antonio Dias Toffoli que quis analisar melhor as ações propostas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pela Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL) e pelo Partido Popular Socialista (PPS).



Com isso, o julgamento foi interrompido novamente e não há prazo que seja retomado. Mas, já há dois votos amplamente favoráveis à lei.



Barbosa fez uma defesa enfática a respeito de cada uma das regras que proíbem a candidatura de políticos com passado considerado ímprobo. Para ele, a lei não retroagiu de modo a pegar fatos ocorridos no passado para impedir a candidatura de políticos no futuro. "A lei não retroage", disse Barbosa. "Ela apenas concede efeitos futuros para um marco ocorrido no passado", continuou.



O ministro referiu-se especificamente ao caso de políticos que renunciaram aos seus mandatos para escapar de processos de cassação e, agora, estão sendo atingidos pela Lei da Ficha Limpa. "A renúncia ao mandato é ato que desabona o candidato, mostra que a sua preocupação com o eleitorado é nula", ressaltou Barbosa.



Em seguida, o ministro Luiz Fux, relator do processo, ressaltou que á favorável à lei. "O meu voto tem uma ideologia que é a higidez da Lei da Ficha Limpa", enfatizou Fux.



No dia 9, Fux fez um amplo voto pela aprovação da lei com duas ressalvas. A primeira ressalva é que o político que renunciar antes do começo do processo de cassação contra o seu mandato estaria livre das vedações da Ficha Limpa.



A segunda ressalva foi uma proposta de redução no prazo de inelegibilidade dos políticos. Para Fux, o político que foi condenado na Justiça fica inelegível apenas pelo prazo previsto para esse crime. No caso de condenação por compra de votos, por exemplo, a pena é de oito anos. Então, o político seria considerado inelegível apenas por esse prazo. Pela Lei da Ficha Limpa, um político que comprou votos poderia ficar inelegível por oito anos por esse crime e por mais oito anos como pena de inelegibilidade da Ficha Limpa. Seriam 16 anos, e não oito.



Ontem, Fux manteve a segunda ressalva. Mas, retirou a primeira. O ministro concordou com Barbosa e reajustou o seu voto para concluir que o político que renunciou antes do início do processo de cassação de seu mandato deve ser atingido pela lei e, portanto, não poderá se candidatar.



Com isso, há dois votos favoráveis à lei no STF. O tribunal tem onze ministros, mas continua com uma vaga incompleta. Trata-se da ministra Rosa Maria Weber, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que foi indicada pela presidente Dilma Rousseff para o STF, mas ainda não foi sabatinada pelo Senado.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

 


Assunto: A política por todos os  lados

Data: Sex, Novembro 25, 2011 









Sex, 25 de Novembro de 2011.

07:50:00.



VALOR ECONÔMICO
EU & FIM DE SEMANA



A política por todos os lados



Por Marcos Nobre e José Rodrigo Rodriguez
Para o Valor, de São Paulo



Dias depois da decisão do STF que reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo

sexo, militantes de movimentos de defesa dos direitos de homossexuais realizaram um

abraço simbólico no prédio do tribunal em apoio à medida. Nessa manifestação, a

senadora Marinor Brito (PSOL-PA) deu a seguinte declaração: "O movimento dá uma

resposta muito positiva e um reconhecimento do papel que o Supremo cumpre neste

momento e já que o Congresso Nacional não se manifestou até hoje. Não queremos a

judicialização da política. Queremos que o Congresso assuma o seu papel de

protagonista na alteração e na construção das leis".



Comentando a mesma decisão, o advogado Ives Gandra Martins, localizado em posição

oposta à da senadora do PSOL no espectro político, disse o seguinte: "Sempre fui

contra o ativismo judiciário. O que a Constituição escreveu é o que tem de

prevalecer. É evidente que não estou de acordo com os fundamentos da decisão.

Entendo que o STF não pode se transformar num constituinte".



Em ambos os casos, seja para apoiar ou para criticar a decisão, seja à esquerda ou à

direita, seja utilizando a ideia de "judicialização da política", seja a de

"ativismo judicial", o raciocínio subjacente é o mesmo: um Poder (o Judiciário) está

invadindo indevidamente o domínio de outro Poder (o Legislativo). O que mostra, de

saída, que essas duas ideias são, na verdade, complementares. Seria como que um

mesmo processo, visto ora da perspectiva da política "invadida" pela lógica

judicial, ora da perspectiva do próprio "invasor".



"Quando tudo é 'política', torna-se impossível diferenciar a atividade de um juiz da

atividade de um deputado ou de um ministro"



Mas, apesar de apontarem essencialmente para o mesmo fenômeno, a expressão

"judicialização da política" é a mais comum. Está por toda parte e tem múltiplas

utilidades no debate público, sendo todas elas sempre de censura e de condenação.

Serve para criticar o Poder Legislativo, que não estaria "fazendo a sua parte".

Serve para criticar o Poder Judiciário, que estaria invadindo a competência do Poder

Legislativo sem ter legitimidade para isso (já que juízes não são "eleitos", diz

ainda o raciocínio). Serve também para denunciar uma situação de despolitização

geral da sociedade, capitaneada pelo "inchaço" do Executivo, o que obrigaria cidadãs

e cidadãos a recorrer ao Judiciário como ato recurso de última instância de proteção

política. Em todos esses diferentes raciocínios, o pressuposto é o de que as

instituições não estariam funcionando "normalmente", não estariam funcionando "como

deveriam".



Esses diferentes usos de "judicialização da política" pressupõem que a atuação do

Judiciárioseria um sintoma de que a democracia não está em seu "funcionamento

normal". No fundo, é raciocínio que tem por base três teses implícitas de como "deve

funcionar" uma democracia.



Primeira: os Poderes são três e devem ter fronteiras claras e rígidas entre eles,

estabelecidas de antemão. Segunda: o Legislativo deve ser o centro de toda a

produção normativa. Terceira: que a única forma de representação política legítima é

a do mandato eletivo, seja no Legislativo, seja no Executivo. Nessa sequência de

teses, fica claro também que o papel do Judiciário nesse esquema deve ser apenas o

de "aplicar a lei", no sentido de que a "lei" seria sempre clara, cabendo aos

tribunais unicamente o papel de serem porta-vozes do legislador e às juízas e juízes

o papel de "boca da lei".



Ampliar imagem



E, no entanto, a mera enunciação dessas teses implícitas é suficiente para mostrar

seu total descolamento da realidade. Há muito a representação política deixou de ter

um padrão único. Estão aí diferentes formas de representação que não seguem o padrão

da eleição para o Legislativo e são aceitas como legítimas. Há conselhos de diversos

tipos, há agências reguladoras, conferências nacionais. Isso também mostra que há já

algum tempo o Legislativo deixou de deter de fato o monopólio da produção normativa

- se é que alguma vez o teve realmente.



Em relação ao Judiciário, o pressuposto é ainda mais problemático. A visão da

atividade judicial como uma simples dedução de uma lei que não poderia ser

interpretada de outra maneira se choca com o fato elementar de que toda nova

sentença é, na verdade, criadora de normas. É uma criação de normas segundo regras,

segundo princípios interpretativos disponíveis, com certeza. Uma criação de normas

regulada pelo código específico do direito, que, em última instância, deriva sua

lógica e sua legitimidade da Constituição. Mas não deixa por isso de representar a

criação de novas normas.



O mero reconhecimento dessa realidade de fato mostra que toda pretensão de fixar de

antemão as fronteiras e limites de cada um dos Poderes (mesmo que eles sejam apenas

três) leva a uma posição que não consegue entender o que está se passando. Mas há

ainda uma consequência mais grave: trata-se de uma das maneiras mais eficazes de

impedir a mudança social. Trata-se de um verdadeiro bloqueio ao livre exercício da

imaginação institucional pela sociedade. E, em última instância, leva a uma posição

conservadora, que costuma falar sempre em nome do direito posto e não do direito que

está por vir.



Afinal, quando ouvimos acusações generalizadas ao Poder Judiciário por "se meter

onde não foi chamado" e "avançar sobre uma agenda que deveria ser do Parlamento",

não estaríamos assumindo uma posição conservadora? Não estaríamos nos colocando na

posição daqueles que querem impedir por decreto a mudança institucional para

congelar o desenho de nossas instituições? E isso vale igualmente para o oposto

complementar da "judicialização da política", o chamado "ativismo judicial".



Com esses questionamentos, também não queremos dizer que tudo estaria "funcionando

muito bem", à maneira do cientista que apenas "observa e explica" fenômenos sociais

e políticos. É claro que a atuação do Poder Judiciário na maioria dos casos não vem

acompanhada da devida justificação diante da esfera pública. Quem já teve a

oportunidade de ler o resultado de um julgamento do STF pôde perceber como esse

documento é tão confuso e complexo que muitas vezes torna impossível identificar com

clareza as razões da decisão.



Mas, seja como for, o resultado final costuma ser claro: as cortes são capazes de

decidir os problemas que examinam. No entanto, a argumentação que fundamenta as

decisões costuma ser ou altamente confusa ou meramente telegráfica. É comum

encontrar decisões colegiadas praticamente ser argumentação ou com tantos

fundamentos quanto os juízes que atuam nelas. Afinal, a corte não se reúne para

redigir um voto vencedor com começo, meio e fim. Decide por mera maioria de votos.



Por isso mesmo, a decisão final costuma ganhar as feições de um labirinto mitológico

do qual ninguém consegue sair com destreza, nem os juristas de profissão. Os votos

dos ministros se sucedem de maneira confusa, entremeados pela transcrição dos

debates e pedidos de vista, sem que haja um apanhado final em que os argumentos que

sustentam o resultado sejam organizados e hierarquizados. É suficiente baixar do

site do STF a decisão de qualquer caso importante para ver como isso se dá.



No entanto, nada disso justifica submeter o Judiciário ou qualquer um dos Poderes a

amarras predeterminadas, pensadas para bloquear a mudança social. Podemos lutar para

que os Poderes justifiquem suas razões de agir, para que fundamentem melhor suas

decisões. Mas essa luta pela justificação não deve ser confundida com a defesa de um

padrão naturalizado de separação de Poderes, por exemplo.



Essa confusão entre, de um lado, um padrão predeterminado e abstrato e, de outro

lado, um funcionamento concreto do Judiciário de difícil compreensão tem sido usada

sub-repticiamente para criticar e tentar congelar movimentos de mudança que vêm

desse poder. Utiliza uma barreira normativa imaginária, criada por teorias fixadas

no século XIX, para bloquear arranjos institucionais em formação, próprios de uma

democracia ainda muito recente e cheia de brechas e de possibilidades de

intervenção, como é o caso da democracia brasileira.



As decisões dos organismos de poder, a maneira pela qual as instituições funcionam,

têm consequências claras sobre a distribuição de poder entre os cidadãos e outros

entes sociais. Quando, por exemplo, o Judiciário começou a exigir que determinados

procedimentos médicos fossem praticados pelos planos de saúde e certas drogas fossem

adquiridas pela administração pública, o poder privado e o poder público foram

questionados.



De um lado, o Judiciário afirmou que os planos de saúde não eram livres para formar

seus preços sem levar em conta determinadas doenças e, de outro, que a administração

não poderia criar unilateralmente uma lista de drogas a ser adquiridas e

distribuídas para a sociedade. Nesses dois casos, ao modificar os termos contratuais

e tocar na forma de agir do poder público, o Judiciário mudou a balança de poder

entre os entes sociais e estatais envolvidos e forçou a criação de outros

procedimentos e regras para a sua ação e interação mútua.



Há quem afirme que o Judiciário não deveria se intrometer na liberdade de contratar

e nas atribuições da administração pública, por princípio e por definição. Há quem

afirme até que, ao fazer isso, esse poder põe em risco o funcionamento da economia e

da democracia. Preferimos ver esse suposto "mau comportamento" dos juízes como sinal

de mudança institucional, como uma oportunidade de redefinir as fronteiras entre os

Poderes e exercitar a imaginação institucional para aperfeiçoar a democracia e

tornar a economia menos selvagem.



Como se vê nesses exemplos, em um Estado Democrático de Direito é na esfera política

- e não diretamente na "tradição" ou no âmbito do mercado - que se definem, em

última instância, as feições das diversas posições de poder, o desenho das

instituições. E a política, como se percebe, está por toda parte, não apenas no

Parlamento. Pois se há uma "política" sendo praticada nos partidos e no Parlamento,

há também uma "política" ocorrendo no PoderJudiciário, no Poder Executivo, nos

conselhos, agências reguladoras e outros mecanismos deliberativos.



Como diferenciar essas diversas formas de "política" para que toda a dinâmica

institucional não se confunda com o mero jogo de interesses? Pois quando tudo se

torna "política" nada mais o é. Quando tudo é "política", torna-se impossível

diferenciar a atividade de um juiz da atividade de um deputado ou de um ministro e

passamos a cobrar deles posturas e padrões de ação que não correspondem à sua

posição no concerto dos Poderes.



Para evitar esse desfecho, é necessário levar em consideração, no caso do

Judiciário, aquilo que lhe é específico, aquilo que estrutura o que é a "política"

nesse âmbito institucional específico: o "código do direito". Sem se esquecer de que

o próprio significado do que é considerado mais amplamente como "direito" é mutável

no tempo e abrange muito mais do que a simples institucionalização realizada pelo

Poder Judiciário. E é exatamente isso que não está sendo levado em conta por quem

utiliza expressões como "judicialização da política" ou "ativismo judicial".



Nesse contexto em que os diversos âmbitos da política são pensados em suas

especificidades, é preciso, por exemplo, revisitar a própria ideia de separação de

Poderes e repensar seus termos. Os Poderes precisam mesmo ser três? Sua relação

entre si precisa ser aquela fixada pela teoria jurídica dominante no século XIX? Ou

será possível retomar em novos sentidos a ideia original de Montesquieu, que não

fala em três poderes, mas na ideia de frios e contrapesos?



Nessa ordem de razões, o que não se admite é que haja um poder que decida

unilateralmente, ou seja, cujas decisões não passem por uma instância revisora. Não

há espaço para decisões sem justificativa, tomadas por mero capricho ou pela simples

força das circunstâncias. Mas há espaço para mais "poderes", para outras maneiras de

desenhar o Estado de Direito e, portanto, de distribuir o poder entre os diversos

entes sociais.



Há sempre uma parcela de desigualdade, de sofrimento humano que fica fora do desenho

institucional e procura forçar sua entrada por intermédio dos canais institucionais,

pela desobediência civil ou mesmo por meios violentos. E quanto mais cristalizadas

forem as instituições, quanto menos elas forem capazes de ouvir o sofrimento social,

maior a possibilidade de que a violência tome conta da sociedade com o fim de romper

o tecido institucional.



Um pensamento institucional crítica e radicalmente democrático precisa assumir esses

dois pontos de vista ao mesmo tempo. Precisa ver as instituições por dentro, a

partir da sua racionalidade atual, e precisa olhar para elas de fora para descobrir

seus limites e refletir sobre novas possibilidades, novos desenhos institucionais

capazes de dar conta do que hoje está excluído.



Nem sempre o desfecho dessa dinâmica será pacífico, como a história tem demonstrado.

Por exemplo, foi preciso correr muito sangue nas ruas para que os diversos

mecanismos de proteção social fossem criados e novos desenhos institucionais

promovessem a mudança do estado mínimo para um estado social. E isso envolveu

mudanças decisivas na própria concepção do código do direito, das suas formas

institucionais, da definição social do que seja o "jurídico".



Seja como for, nesse campo, o da imaginação institucional, está sendo decidido o

destino de nossa democracia. O pior que se pode fazer para bloquear a discussão

ampla e aberta desse destino é pretender impor de antemão que configurações as

instituições devem ter. Ideias como "judicialização da política" ou "ativismo

judicial" apenas bloqueiam a compreensão do momento presente e paralisam as

discussões democráticas que temos de encarar.



José Rodrigo Rodriguez é pesquisador do Cebrap e editor da Revista Direito GV.



Marcos Nobre é professor do Departamento de Filosofia da Unicamp e pesquisador do

Cebrap



Versão condensada de "A Judicialização da Política: Déficits Explicativos e

Bloqueios Normativistas", texto apresentado na 35ª Anpocs, Caxambu (MG), no fórum

Dilemas da Modernidade Periférica, e que aparecerá na revista "Novos Estudos

Cebrap", número 91








quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Lenio Streck e Fux

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De: "Lenio Luiz Streck"

Data: Qui, Novembro 17, 2011 09:41

Para: jribas@puc-rio.br

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Artigos



*17* novembro *2011*



Regra ou princípio

*Ministro equivoca-se ao definir presunção da inocência*



Por Lenio Luiz

Streck



Exercer a crítica no direito é uma tarefa difícil. Principalmente em *terrae

brasilis*. Por aqui, normalmente é *magister dixti*. Mormente se quem disse

é Ministro de Corte Superior. Não conseguimos construir ainda uma cultura

em que as decisões judiciais – em especial as do Supremo Tribunal Federal –

sofram aquilo que venho denominando de “constrangimentos epistemológicos”.

O que é “constrangimento epistemológico”? Trata-se de uma forma de,

criticamente, colocarmos em xeque decisões que se mostram equivocadas, algo

que já chamei, em outro momento, de “fator Julia Roberts”, em alusão à

personagem por ela interpretada no filme *Dossiê Pelicano*, que,

surpreendendo o seu Professor em Harvard, afirma que a Suprema Corte

norte-americana errou no julgamento do famoso caso *Bowers v. Hardwick*. No

fundo, é um modo de dizermos que a “doutrina deve voltar a doutrinar” e não

se colocar, simplesmente, na condição de caudatária das decisões

tribunalícias. Lembro da decisão do então Ministro Humberto Gomes de Barros

(AgrReg em ERESP 279.889), do Superior Tribunal de Justiça, na qual ele

dizia: “Não me importam o que pensam os doutrinadores”, importando, para

ele, apenas o que dizem os Tribunais...! Imediatamente divulguei

contundente artigo

[1]dizendo

a Sua Excelência que “importa, sim, o que a doutrina pensa”. Lançava,

então, um repto à comunidade jurídica: a doutrina tem a função de

doutrinar. Criticava, também, a cultura de repetição de decisões

(ementários, etc) que se formou no Brasil.



Temos de construir as bases para um pensamento crítico que denuncie

equívocos como o voto que abordarei na sequência, da lavra do Ministro Luiz

Fux. A crítica que exporei não tem a pretensão de ser algo do tipo *J’accuse

*, de Emile Zola, em que este fazia contundente manifesto contra a

injustiça cometida contra o cap. Dreyfus. Posso, no máximo, estar indignado

como Zola.



Por isso, permito-me trazer a lume o meu protesto contra o voto do Min.

Luiz Fux, a quem nutro profundo respeito pessoal, no processo da Lei Ficha

Limpa. Nosso Amigo – meu e do Ministro Luiz Fux – James Tubenschlak (de

saudosa memória, que morreu prematuramente quando, com sua esposa Tânia,

visitava o Rio Grande do Sul) nos uniu há muitos anos, no velho Instituto

de Direito, o ID. Ele, Luiz Fux, já um jurista (então membro do Ministério

Público) conhecido, e eu, iniciando minha trajetória. James nos

prestigiava. E como! Era Amilton Bueno de Carvalho, Lenio Streck, Luiz Fux,

Silvio Capanema, Nagib Slaibi, Alexandre Câmara, Afranio Silva Jardim,

Juarez Cirino, Jacinto Coutinho, Caio Mário, João Mestieri, Barbosa

Moreira, Yussef Cahaly, Calmon de Passos (quem mais arrancava aplausos de

pé). Havia muitos outros. O Hotel Glória ficava repleto, tendo que colocar

telões. Não havia ainda redes sociais. Nosso espaço era cavado com muito

(mais) esforço do que se faz hoje.



Cada um seguiu sua trajetória. Fux foi guindado ao STJ e ao STF. E o que o

Ministro Fux vem fazendo? Lançando belos votos, como outra coisa não se

poderia esperar de um jurista talentoso. Entretanto, não estamos mais nos

palcos do Hotel Glória. Não precisamos mais disputar as palmas daqueles

milhares que lá iam. Hoje ele é um Ministro do Supremo Tribunal da

República Federativa do Brasil. Duzentos milhões de habitantes. Fux não é

mais palestrante. Relembro: é Ministro. Só tem onze na República. E cada um

tem responsabilidade política. E que responsabilidade, em um país eivado de

judicializações, que, diga-se, não ocorrem por culpa do STF; são, sim,

contingenciais...! Cada decisão tem efeitos colaterais. De cada decisão,

extrai-se um princípio. Outro dia o meu caríssimo Ministro concedeu Habeas

Corpus, invocando algo que não consta no Código Penal: a teoria da actio

libera in causa. Ou seja, tivesse o STF coerência nas decisões, portanto,

respeitasse o STF a origem do direito fruto de suas decisões, teríamos, a

partir de agora, algo inusitado: nunca mais se conseguirá acusar alguém por

dolo eventual na hipótese em que o autor dirija embriagado e atropele (e

mate). A tese do voto: somente se pode acusar alguém por dolo eventual se

ficar demonstrado que o agente “se embriagou com o propósito de cometer um

crime”. Prova, pois, diabólica. Impossível de se fazer. Aliás, nunca houve

no mundo um processo julgado nesse sentido. A velha actio libera in causa

não é um princípio. E tampouco é uma regra. Nem mais se estuda essa tese

nas salas de aula. Porém, o Min. Fux proferiu um belo voto. Pergunto: e os

efeitos colaterais dessa decisão?



Poderia falar de outros votos. Mas a minha crítica epistêmica é dirigida a

um caso bem recente, a não passar desapercebido pela população. Trata-se do

caso da “Lei Ficha Limpa” (ou “Ficha Suja”, como queiram). Neste caso,

penso que o Ministro – permito-me dizer, com todas as vênias do mundo;

afinal trata-se de um Ministro e no Brasil quase ninguém tem coragem para

criticar decisões da Suprema Corte – equivocou-se. Tomo, pois, a coragem de

“acusá-lo” epistemicamente.



Contextualizarei. De há muito, ocupo-me em minhas pesquisas da questão que

envolve a determinação do conceito de princípio. Mais especificamente,

minhas preocupações giram em torno do problema da decisão judicial e da

existência ou não do chamado “poder discricionário dos juízes” no momento

da solução dos chamados “casos difíceis” (em Verdade e Consenso, Saraiva,

4ª ed., demonstro a inadequação hermenêutica desse último conceito).



Na esteira da construção dessa busca pela determinação do conceito de

princípio, deparei-me, mormente nos anos mais recentes, com situações

inusitadas. Certamente, a mais pitoresca de todas é aquela que nomeei (em

diversos textos, e especialmente, em Verdade e Consenso) de

panprincipiologismo, uma espécie de patologia especialmente ligada às

práticas jurídicas brasileiras e que leva a um uso desmedido de standards

argumentativos que, no mais das vezes, são articulados para driblar aquilo

que ficou regrado pela produção democrática do direito, no âmbito da

legislação (constitucionalmente adequada). É como se ocorresse uma espécie

de “hiperestesia” nos juristas que os levassem a descobrir por meio da

sensibilidade (o senso de justiça, no mais das vezes, sempre é um álibi

teórico da realização dos “valores” que subjazem o “Direito”), à melhor

solução para os casos jurisdicionalizados.



Pois bem. No julgamento conjunto das ADCs 29 e 30 e da ADI 4578, o STF

parece ter inaugurado uma forma nova desse fenômeno se manifestar. Com

efeito, ao lado do uso inflacionado do conceito de princípio (por exemplo,

o panprincipialismo é, corretamente, denunciado pelo Ministro Tóffoli em

vários votos, inclusive fazendo alusão ao meu Verdade e Consenso, op.cit.),

o voto que até o momento foi apresentado nesses julgamentos (Lei do “Ficha

Limpa) produz uma espécie de retração que, mais do que representar uma

contenção ao panprincipiologismo, manifesta-se como um subproduto deste

mesmo fenômeno. Trata-se de uma espécie de “uso hipossuficiente” do

conceito de princípio. Já não se sabe o que é mais grave: o

panprincipialismo ou a hipossuficiência principiológica.



O que seria esse “uso hipossuficiente do conceito de princípio”? Explico:

ao invés de nomear qualquer standard argumentativo ou qualquer enunciado

performático de princípio, o Judiciário passa a negar densidade normativa

de princípio àquilo que é, efetivamente, um princípio, verdadeiramente um

princípio, anunciando-o como uma regra. Aliás, nega-se a qualidade de

princípio àquilo que está nominado como princípio pela Constituição...!



O que ocorreu, afinal? O julgamento em tela trata da adequação da Lei

Complementar 115/2010 (chamada lei da “Ficha Limpa”) à Constituição. Neste

momento, não me preocupa tanto o mérito da ação, mas aquilo que é feito com

a Teoria do Direito. Qual é a serventia da Teoria do Direito? Não se trata

de uma questão cosmética. Pelo contrário, é da Teoria do Direito que se

retiram as condições para construir bons argumentos e fundamentar

adequadamente as decisões. Quero dizer: tem-se a discutir o que foi feito

da Teoria do Direito dos últimos 50 anos, a tanto ocupar a questão do

conceito de princípio e que, agora, no voto do Ministro Fux, parece não ter

muita serventia. Veja-se as palavras do Ministro:



“A presunção de inocência consagrada no artigo 5º, LVII da Constituição

deve ser reconhecida, segundo lição de Humberto Ávila, como uma regra, ou

seja, como uma norma de previsão de conduta, em especial de proibir a

imposição de penalidade ou de efeitos da condenação penal até que

transitada em julgado decisão penal condenatória. *Concessa venia*, não se

vislumbra a existência de um conteúdo principiológico no indigitado

enunciado normativo”.



Não se vislumbra no enunciado normativo (presunção da inocência) um

conteúdo principiológico? *Concessa venia*, Ministro Fux. A posição exarada

por Vossa Excelência sugere claramente uma passagem ao largo de toda a

discussão a travar-se no âmbito teórico para saber o que é, efetivamente,

um princípio. E o faz com apelo a um argumento de autoridade, baseado numa

concepção isolada, no contexto global da teoria do direito e da filosofia

do direito, a qual não pode ser tida como dominante. Aliás, a vingar a tese

do ilustre jurista citado pelo Ministro, a igualdade – virtude soberana de

qualquer democracia, como aparece em Dworkin e, numa perspectiva mais

clássica, no testemunho de Alexis de Tocqueville sobre a democracia

americana – não seria uma princípio, mas sim um simples postulado! Na

verdade, não sei se o próprio Prof. Ávila concorda com a tese apresentada

no aludido voto. Não sei se ele nega(ria) densidade de princípio à

presunção da inocência.



A afirmação de que a presunção de inocência seria uma regra (sic) e não um

princípio é tão temerária que uniria dois autores completamente

antagônicos, como são Robert Alexy e Ronald Dworkin, na mesma trincheira de

combate. Ou seja, ambos se uniriam para destruir tal afirmação. Isso porque

a grande novidade das teorias contemporâneas sobre os princípios jurídicos

foi demonstrar que, mais do que simples fatores de colmatação das lacunas

(como ocorria nas posturas metodológicas derivadas do privativismo

novecentista), eles são, hoje, normas jurídicas vinculantes, presentes em

todo momento no contexto de uma comunidade política. Tanto para Dworkin

quanto para Alexy – que, certamente, são os autores que mais

representativamente se debruçaram sobre o problema do conceito de princípio

– existe uma diferença entre a regra (que, evidentemente, também é norma) e

os princípios. Só para lembrar: cada um dos autores (Dworkin e Alexy)

construirá sua posição sob pressupostos metodológicos diferentes que os

levarão, no mais das vezes, a identificar pontos distintos para realizar

essa diferenciação. No caso de Alexy, sua distinção será estrutural, de

natureza semântica; ao passo que Dworkin realiza uma distinção de natureza

mais fenomenológica.



De todo modo, tanto as posições de Dworkin quanto as de Alexy concordam que

um dos fatores a diferenciar os princípios das regras diz respeito ao fato

de que sua não-incidência (ou aplicação) em um determinado caso concreto

não exclui a possibilidade de sua aplicação em outro, cujo contexto

fático-existêncial seja diferente daquele que originou seu afastamento. As

regras, por outro lado, se afastadas de um caso, devem, necessariamente,

ser afastadas de todos os outros futuros; exigência decorrente de um

PRINCÍPIO, que é a igualdade de tratamento. Isso mesmo: a igualdade, que

não é uma regra e, sim, um princípio).



Para Dworkin, os princípios representam uma comunidade, vale dizer: uma

comunidade política se articula a partir de um conjunto coerente de

princípios que justifica e legitima sua ação política. Por isso o direito

pós-bélico (Losano) – o que surge depois da Segunda Guerra - é um novo

paradigma. Só não entende isso quem deseja retornar ao século XIX, ao tempo

do “império das regras”; aliás, ao tempo do positivismo

primitivo-exegético-sintático.



Ora, os princípios possuem uma “dimensão de peso” (como aparece em Levando

os Direitos a Sério), o que significa dizer que, em determinados casos, um

princípio terá uma incidência mais forte do que noutro (ou noutros). Isso

não impede que, num outro caso com circunstâncias distintas de aplicação,

aquele princípio – afastado anteriormente – volte com maior força,

dependendo da construção que se faz, com base na reconstrução da cadeia da

integridade do direito. É o que tenho chamado de DNA do direito.



Além de Dworkin, Alexy ressalta essa peculiaridade dos princípios (sequer

mencionarei Habermas, radical no sentido de que os princípios são normas,

sendo, portanto, deontológicos). Para Alexy, tão citado e tão pouco lido (e

menos ainda compreendido) e adepto da distinção semântico-estrutural entre

regras e princípios, os princípios valem *prima facie *de forma ampla

(mandados de otimização). Circunstâncias concretas podem fazer com que seu

âmbito de aplicação seja restringido. Os princípios – que, em algumas

passagens da sua Teoria dos Direitos Fundamentais, Alexy equipara com os

próprios direitos fundamentais – encontram-se em rota de colisão, e os

critérios de proporcionalidade derivados da ponderação resolvem essa

aparente contradição, fazendo com que, em um caso específico, um deles

prevaleça. Lembre-se o resultado da ponderação dos princípios colidentes é

uma regra que Alexy chama de “norma de direito fundamental *adscripta*”

(que, na prática cotidiana da aplicação do direito, ninguém faz). E

lembre-se ainda que, nos termos da teoria alexyana, essa regra deve servir

para resolver casos similares àquele que ensejaram a ponderação dos

princípios colidentes. Aqui, uma pausa: será que algum juiz ou tribunal no

Brasil já se preocupou em determinar a regra de direito fundamental *

adscripta* quando opera com a ponderação? Será que qualquer um deles já

aplicou tal regra a outros casos similares? A resposta é óbvia: não há um

caso a retratar esse tipo de aplicação. A própria ponderação é uma ficção.

É uma máscara para esconder a subjetividade do julgador.



De todo modo – para concluir o raciocínio anterior – é bom lembrar que até

Alexy é explicito ao afirmar que os princípios, quando afastados da

aplicação em um caso específico, podem voltar com densidade normativa forte

em outros casos futuros. As regras a terem como modo de aplicação a

subsunção, ou valem ou não valem: se excluídas de um caso DEVEM SER,

necessariamente, EXCLUÍDAS de outros futuros.



Desse modo, fica clara a fragilidade do argumento exposto pelo caríssimo

Min. Fux, a quem tomo a liberdade de indagar o seguinte, e a partir da

breve exposição sobre o melhor da doutrina mundial a respeito de regras e

princípios; doutrina recepcionada no Brasil por tantos juristas e

tribunais: 1 - se a presunção de inocência é mesmo uma regra, como é

possível dizer que ela pode ter sua aplicação restringida no caso de

condenações confirmadas pelo Tribunal (e os casos de competência

originária, seriam o quê?) e, ao mesmo tempo, valer para aqueles que foram

condenados pelo juiz singular apenas? 2- se ela é uma regra, não deveria

então também ser afastada nesses casos?



Note-se que o argumento é tão frágil que melhor ficaria se fosse dito que a

presunção de inocência é (mesmo) um princípio: se justificada sua restrição

no caso de condenações confirmadas pela segunda instância, conservar-se-ia

intacta sua aplicação no âmbito do juiz singular! Todavia, nos termos em

que foi formulado no voto, como pode uma regra valer num caso e não valer

no outro? Haveria ponderação entre regras, como querem – de forma

equivocada – alguns de nossos doutrinadores? Rebaixada à condição de regra,

a presunção da inocência entraria em um “processo” de ponderação? E disso

exsurgiria que tipo de resultado? Uma “regra da regra”?



Mais: afinal, se a ponderação é a forma de realização dos princípios e a

subsunção é a forma de realização das regras (isso está em Alexy, com todos

os problemas teoréticos que isso acarreta), falar em ponderação de regras

não é acabar com a própria distinção entre regras e princípios tornando-os,

novamente, indistintos? Parece-me que o imbróglio teórico gerado pelo voto

do Ministro Fux bem representa um verdadeiro “leviatã hermenêutico”, isto

é, uma guerra constante de todas as correntes de aplicação, estudos, e

interpretação do Direito entre si, a gerar uma confusão sem precedentes,

onde cada um aplica e interpreta como quer o Direito, desatentos ao fato de

que todo problema de constitucionalidade é um problema de poder

constituinte. No fundo, mais uma vez venceu o pragmati(ci)smo, derrotando a

Teoria do Direito.



Ainda, numa palavra, várias perguntas: a) se a presunção de inocência não é

um princípio, o devido processo legal também não o é? b) E a igualdade?

Seria ela uma regra? c) Na medida em que o cada juiz deve obedecer a

“regra” da coerência em seus julgamentos, isso quer dizer que, daqui para

frente, nos julgamentos do Min. Fux, a “regra” (sic) da presunção da

inocência pode, em um conflito com um princípio, ou até mesmo com uma

regra, soçobrar? d) Uma outra regra pode vir a “derrubar” a presunção da

inocência? E) E o que dirão os processualistas-penais de *terrae brasilis*,

quando confrontados com essa “hipossuficientização” do princípio da

presunção da inocência, conquista da democracia?



Finalizo repetindo que a questão a se discutir aqui não diz respeito ao

mérito do julgamento do “caso Ficha Limpa”. Nem quero discutir as

possibilidades de restrição ou não do direito fundamental à presunção de

inocência. A questão é simbólica (lembremos de Cornelius Castoriadis). O

que representa, no plano do futuro do direito em *terrae brasilis*, o

exposto no voto do Ministro Luiz Fux? Quais são os efeitos simbólicos

disso? Lembremos, aqui também, de Bourdieu, quando fala do poder de

violência simbólica dos discursos.



Nada se deve objetar a que algumas teses sejam construídas de forma

pragmati(ci)sta. Essas teses podem fazer sucesso no mundo jurídico. Mas não

hão de subjugar décadas de discussões e avanços produzidos na Teoria do

Direito. Talvez a maior conquista nesse (e desse) direito pós-Auschwitz

tenha sido, efetivamente, a principiologia constitucional, pela qual

ingressa o mundo prático no direito, com a institucionalização da moral no

direito (não esqueçamos de Habermas). Por isso, não se pode vir a dizer que

a presunção da inocência não seja um princípio. Por mais “valor” pragmático

que isso possa vir a ter. O direito não sobrevive de pragmati(ci)smos.

Direito não é um conjunto de casos isolados. Portanto, o “problema” não é a

decisão de um determinado caso, mas, sim, como se decidirão os próximos.

Definitivamente, não há grau zero de sentido!



Portanto, o problema é de ordem teórica: maus argumentos podem construir

más decisões. E isso é algo que deve ser evitado. Quem sabe, prestigiemos

mais a Teoria do Direito. Ou para que ela serve? Indago: por que existem

tantos Programas de Pós-Graduação em Direito no Brasil? Existem mais de mil

e quinhentas teses de doutorado – parcela delas pagas com bolsas custeadas

pelo povo e orientadas por prestigiosos professores – sustentando que

“princípios não são (ou não podem ser) regras”, ou trabalhando essa

distinção entre regras e princípios (particularmente, nem concordo com a

distinção semântico-estrutural entre regra e princípio, mas isso é assunto

para outro momento; para mim, princípios são normas; são, sempre,

deontológicos; portanto, não são mandados de otimização!). Deve haver mais

de três mil teses de mestrado, feitas no Brasil e no exterior, sustentando

o contrário do que diz o Ministro Fux. Aliás, registro, o Min. Fux é um

prestigiado Professor Doutor, com brilhante tese defendida em renomada

Universidade. Tudo parece conspirar a favor das teses que são contrárias às

do Min. Fux.



Assim, senti-me na obrigação de registrar minha contrariedade ao voto de

Sua Excelência e da doutrina por ele sufragada. Não tenho o “lugar da fala”

de Luiz Fux; o que ele diz repercute em todo o Brasil em fração de

segundos. Não tive a felicidade de ser indicado pelo Presidente da

República ao digníssimo cargo de Ministro do Supremo Tribunal. Por outro

lado, tenho muitos alunos e leitores, a não esperarem menos de mim do que

agora faço. Defendendo a Academia. Defendendo a Constituição. Com todas as

vênias. Sei que não estamos mais no Hotel Glória e nem James Tubenchlak

está na platéia, vigilante, exigindo, com gestos e olhares, que sejamos

aplaudidos de pé, como tantas vezes lá fomos ovacionados, mormente os

“Meninos do Rio” (assim James anunciava, com extremo carinho que tinha por

todos nós, o trio brilhante Fux-Capanema-Nagib, para, na sequência,

anunciar Amilton-Lenio-Below ou outro palestrante que “fechava” este

painel). Hoje, o “mercado” de palestrantes é tomado por jovens, que muito

se assemelham a pastores pentecostais. Mas é pelos velhos tempos que

procuro ser crítico. Temos que ser críticos. E dizer as coisas que precisam

ser ditas. Aqui, da planície ao Planalto. Com respeito e carinho.

------------------------------



[1]

http://www.leniostreck.com.br/site/wp-content/uploads/2011/10/10.pdf



Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio

Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito.

Artigos



*17* novembro *2011*



Regra ou princípio

*Ministro equivoca-se ao definir presunção da inocência*



Por Lenio Luiz

Streck



Exercer a crítica no direito é uma tarefa difícil. Principalmente em *terrae

brasilis*. Por aqui, normalmente é *magister dixti*. Mormente se quem disse

é Ministro de Corte Superior. Não conseguimos construir ainda uma cultura

em que as decisões judiciais – em especial as do Supremo Tribunal Federal –

sofram aquilo que venho denominando de “constrangimentos epistemológicos”.

O que é “constrangimento epistemológico”? Trata-se de uma forma de,

criticamente, colocarmos em xeque decisões que se mostram equivocadas, algo

que já chamei, em outro momento, de “fator Julia Roberts”, em alusão à

personagem por ela interpretada no filme *Dossiê Pelicano*, que,

surpreendendo o seu Professor em Harvard, afirma que a Suprema Corte

norte-americana errou no julgamento do famoso caso *Bowers v. Hardwick*. No

fundo, é um modo de dizermos que a “doutrina deve voltar a doutrinar” e não

se colocar, simplesmente, na condição de caudatária das decisões

tribunalícias. Lembro da decisão do então Ministro Humberto Gomes de Barros

(AgrReg em ERESP 279.889), do Superior Tribunal de Justiça, na qual ele

dizia: “Não me importam o que pensam os doutrinadores”, importando, para

ele, apenas o que dizem os Tribunais...! Imediatamente divulguei

contundente artigo

[1]dizendo

a Sua Excelência que “importa, sim, o que a doutrina pensa”. Lançava,

então, um repto à comunidade jurídica: a doutrina tem a função de

doutrinar. Criticava, também, a cultura de repetição de decisões

(ementários, etc) que se formou no Brasil.



Temos de construir as bases para um pensamento crítico que denuncie

equívocos como o voto que abordarei na sequência, da lavra do Ministro Luiz

Fux. A crítica que exporei não tem a pretensão de ser algo do tipo *J’accuse

*, de Emile Zola, em que este fazia contundente manifesto contra a

injustiça cometida contra o cap. Dreyfus. Posso, no máximo, estar indignado

como Zola.



Por isso, permito-me trazer a lume o meu protesto contra o voto do Min.

Luiz Fux, a quem nutro profundo respeito pessoal, no processo da Lei Ficha

Limpa. Nosso Amigo – meu e do Ministro Luiz Fux – James Tubenschlak (de

saudosa memória, que morreu prematuramente quando, com sua esposa Tânia,

visitava o Rio Grande do Sul) nos uniu há muitos anos, no velho Instituto

de Direito, o ID. Ele, Luiz Fux, já um jurista (então membro do Ministério

Público) conhecido, e eu, iniciando minha trajetória. James nos

prestigiava. E como! Era Amilton Bueno de Carvalho, Lenio Streck, Luiz Fux,

Silvio Capanema, Nagib Slaibi, Alexandre Câmara, Afranio Silva Jardim,

Juarez Cirino, Jacinto Coutinho, Caio Mário, João Mestieri, Barbosa

Moreira, Yussef Cahaly, Calmon de Passos (quem mais arrancava aplausos de

pé). Havia muitos outros. O Hotel Glória ficava repleto, tendo que colocar

telões. Não havia ainda redes sociais. Nosso espaço era cavado com muito

(mais) esforço do que se faz hoje.



Cada um seguiu sua trajetória. Fux foi guindado ao STJ e ao STF. E o que o

Ministro Fux vem fazendo? Lançando belos votos, como outra coisa não se

poderia esperar de um jurista talentoso. Entretanto, não estamos mais nos

palcos do Hotel Glória. Não precisamos mais disputar as palmas daqueles

milhares que lá iam. Hoje ele é um Ministro do Supremo Tribunal da

República Federativa do Brasil. Duzentos milhões de habitantes. Fux não é

mais palestrante. Relembro: é Ministro. Só tem onze na República. E cada um

tem responsabilidade política. E que responsabilidade, em um país eivado de

judicializações, que, diga-se, não ocorrem por culpa do STF; são, sim,

contingenciais...! Cada decisão tem efeitos colaterais. De cada decisão,

extrai-se um princípio. Outro dia o meu caríssimo Ministro concedeu Habeas

Corpus, invocando algo que não consta no Código Penal: a teoria da actio

libera in causa. Ou seja, tivesse o STF coerência nas decisões, portanto,

respeitasse o STF a origem do direito fruto de suas decisões, teríamos, a

partir de agora, algo inusitado: nunca mais se conseguirá acusar alguém por

dolo eventual na hipótese em que o autor dirija embriagado e atropele (e

mate). A tese do voto: somente se pode acusar alguém por dolo eventual se

ficar demonstrado que o agente “se embriagou com o propósito de cometer um

crime”. Prova, pois, diabólica. Impossível de se fazer. Aliás, nunca houve

no mundo um processo julgado nesse sentido. A velha actio libera in causa

não é um princípio. E tampouco é uma regra. Nem mais se estuda essa tese

nas salas de aula. Porém, o Min. Fux proferiu um belo voto. Pergunto: e os

efeitos colaterais dessa decisão?



Poderia falar de outros votos. Mas a minha crítica epistêmica é dirigida a

um caso bem recente, a não passar desapercebido pela população. Trata-se do

caso da “Lei Ficha Limpa” (ou “Ficha Suja”, como queiram). Neste caso,

penso que o Ministro – permito-me dizer, com todas as vênias do mundo;

afinal trata-se de um Ministro e no Brasil quase ninguém tem coragem para

criticar decisões da Suprema Corte – equivocou-se. Tomo, pois, a coragem de

“acusá-lo” epistemicamente.



Contextualizarei. De há muito, ocupo-me em minhas pesquisas da questão que

envolve a determinação do conceito de princípio. Mais especificamente,

minhas preocupações giram em torno do problema da decisão judicial e da

existência ou não do chamado “poder discricionário dos juízes” no momento

da solução dos chamados “casos difíceis” (em Verdade e Consenso, Saraiva,

4ª ed., demonstro a inadequação hermenêutica desse último conceito).



Na esteira da construção dessa busca pela determinação do conceito de

princípio, deparei-me, mormente nos anos mais recentes, com situações

inusitadas. Certamente, a mais pitoresca de todas é aquela que nomeei (em

diversos textos, e especialmente, em Verdade e Consenso) de

panprincipiologismo, uma espécie de patologia especialmente ligada às

práticas jurídicas brasileiras e que leva a um uso desmedido de standards

argumentativos que, no mais das vezes, são articulados para driblar aquilo

que ficou regrado pela produção democrática do direito, no âmbito da

legislação (constitucionalmente adequada). É como se ocorresse uma espécie

de “hiperestesia” nos juristas que os levassem a descobrir por meio da

sensibilidade (o senso de justiça, no mais das vezes, sempre é um álibi

teórico da realização dos “valores” que subjazem o “Direito”), à melhor

solução para os casos jurisdicionalizados.



Pois bem. No julgamento conjunto das ADCs 29 e 30 e da ADI 4578, o STF

parece ter inaugurado uma forma nova desse fenômeno se manifestar. Com

efeito, ao lado do uso inflacionado do conceito de princípio (por exemplo,

o panprincipialismo é, corretamente, denunciado pelo Ministro Tóffoli em

vários votos, inclusive fazendo alusão ao meu Verdade e Consenso, op.cit.),

o voto que até o momento foi apresentado nesses julgamentos (Lei do “Ficha

Limpa) produz uma espécie de retração que, mais do que representar uma

contenção ao panprincipiologismo, manifesta-se como um subproduto deste

mesmo fenômeno. Trata-se de uma espécie de “uso hipossuficiente” do

conceito de princípio. Já não se sabe o que é mais grave: o

panprincipialismo ou a hipossuficiência principiológica.



O que seria esse “uso hipossuficiente do conceito de princípio”? Explico:

ao invés de nomear qualquer standard argumentativo ou qualquer enunciado

performático de princípio, o Judiciário passa a negar densidade normativa

de princípio àquilo que é, efetivamente, um princípio, verdadeiramente um

princípio, anunciando-o como uma regra. Aliás, nega-se a qualidade de

princípio àquilo que está nominado como princípio pela Constituição...!



O que ocorreu, afinal? O julgamento em tela trata da adequação da Lei

Complementar 115/2010 (chamada lei da “Ficha Limpa”) à Constituição. Neste

momento, não me preocupa tanto o mérito da ação, mas aquilo que é feito com

a Teoria do Direito. Qual é a serventia da Teoria do Direito? Não se trata

de uma questão cosmética. Pelo contrário, é da Teoria do Direito que se

retiram as condições para construir bons argumentos e fundamentar

adequadamente as decisões. Quero dizer: tem-se a discutir o que foi feito

da Teoria do Direito dos últimos 50 anos, a tanto ocupar a questão do

conceito de princípio e que, agora, no voto do Ministro Fux, parece não ter

muita serventia. Veja-se as palavras do Ministro:



“A presunção de inocência consagrada no artigo 5º, LVII da Constituição

deve ser reconhecida, segundo lição de Humberto Ávila, como uma regra, ou

seja, como uma norma de previsão de conduta, em especial de proibir a

imposição de penalidade ou de efeitos da condenação penal até que

transitada em julgado decisão penal condenatória. *Concessa venia*, não se

vislumbra a existência de um conteúdo principiológico no indigitado

enunciado normativo”.



Não se vislumbra no enunciado normativo (presunção da inocência) um

conteúdo principiológico? *Concessa venia*, Ministro Fux. A posição exarada

por Vossa Excelência sugere claramente uma passagem ao largo de toda a

discussão a travar-se no âmbito teórico para saber o que é, efetivamente,

um princípio. E o faz com apelo a um argumento de autoridade, baseado numa

concepção isolada, no contexto global da teoria do direito e da filosofia

do direito, a qual não pode ser tida como dominante. Aliás, a vingar a tese

do ilustre jurista citado pelo Ministro, a igualdade – virtude soberana de

qualquer democracia, como aparece em Dworkin e, numa perspectiva mais

clássica, no testemunho de Alexis de Tocqueville sobre a democracia

americana – não seria uma princípio, mas sim um simples postulado! Na

verdade, não sei se o próprio Prof. Ávila concorda com a tese apresentada

no aludido voto. Não sei se ele nega(ria) densidade de princípio à

presunção da inocência.



A afirmação de que a presunção de inocência seria uma regra (sic) e não um

princípio é tão temerária que uniria dois autores completamente

antagônicos, como são Robert Alexy e Ronald Dworkin, na mesma trincheira de

combate. Ou seja, ambos se uniriam para destruir tal afirmação. Isso porque

a grande novidade das teorias contemporâneas sobre os princípios jurídicos

foi demonstrar que, mais do que simples fatores de colmatação das lacunas

(como ocorria nas posturas metodológicas derivadas do privativismo

novecentista), eles são, hoje, normas jurídicas vinculantes, presentes em

todo momento no contexto de uma comunidade política. Tanto para Dworkin

quanto para Alexy – que, certamente, são os autores que mais

representativamente se debruçaram sobre o problema do conceito de princípio

– existe uma diferença entre a regra (que, evidentemente, também é norma) e

os princípios. Só para lembrar: cada um dos autores (Dworkin e Alexy)

construirá sua posição sob pressupostos metodológicos diferentes que os

levarão, no mais das vezes, a identificar pontos distintos para realizar

essa diferenciação. No caso de Alexy, sua distinção será estrutural, de

natureza semântica; ao passo que Dworkin realiza uma distinção de natureza

mais fenomenológica.



De todo modo, tanto as posições de Dworkin quanto as de Alexy concordam que

um dos fatores a diferenciar os princípios das regras diz respeito ao fato

de que sua não-incidência (ou aplicação) em um determinado caso concreto

não exclui a possibilidade de sua aplicação em outro, cujo contexto

fático-existêncial seja diferente daquele que originou seu afastamento. As

regras, por outro lado, se afastadas de um caso, devem, necessariamente,

ser afastadas de todos os outros futuros; exigência decorrente de um

PRINCÍPIO, que é a igualdade de tratamento. Isso mesmo: a igualdade, que

não é uma regra e, sim, um princípio).



Para Dworkin, os princípios representam uma comunidade, vale dizer: uma

comunidade política se articula a partir de um conjunto coerente de

princípios que justifica e legitima sua ação política. Por isso o direito

pós-bélico (Losano) – o que surge depois da Segunda Guerra - é um novo

paradigma. Só não entende isso quem deseja retornar ao século XIX, ao tempo

do “império das regras”; aliás, ao tempo do positivismo

primitivo-exegético-sintático.



Ora, os princípios possuem uma “dimensão de peso” (como aparece em Levando

os Direitos a Sério), o que significa dizer que, em determinados casos, um

princípio terá uma incidência mais forte do que noutro (ou noutros). Isso

não impede que, num outro caso com circunstâncias distintas de aplicação,

aquele princípio – afastado anteriormente – volte com maior força,

dependendo da construção que se faz, com base na reconstrução da cadeia da

integridade do direito. É o que tenho chamado de DNA do direito.



Além de Dworkin, Alexy ressalta essa peculiaridade dos princípios (sequer

mencionarei Habermas, radical no sentido de que os princípios são normas,

sendo, portanto, deontológicos). Para Alexy, tão citado e tão pouco lido (e

menos ainda compreendido) e adepto da distinção semântico-estrutural entre

regras e princípios, os princípios valem *prima facie *de forma ampla

(mandados de otimização). Circunstâncias concretas podem fazer com que seu

âmbito de aplicação seja restringido. Os princípios – que, em algumas

passagens da sua Teoria dos Direitos Fundamentais, Alexy equipara com os

próprios direitos fundamentais – encontram-se em rota de colisão, e os

critérios de proporcionalidade derivados da ponderação resolvem essa

aparente contradição, fazendo com que, em um caso específico, um deles

prevaleça. Lembre-se o resultado da ponderação dos princípios colidentes é

uma regra que Alexy chama de “norma de direito fundamental *adscripta*”

(que, na prática cotidiana da aplicação do direito, ninguém faz). E

lembre-se ainda que, nos termos da teoria alexyana, essa regra deve servir

para resolver casos similares àquele que ensejaram a ponderação dos

princípios colidentes. Aqui, uma pausa: será que algum juiz ou tribunal no

Brasil já se preocupou em determinar a regra de direito fundamental *

adscripta* quando opera com a ponderação? Será que qualquer um deles já

aplicou tal regra a outros casos similares? A resposta é óbvia: não há um

caso a retratar esse tipo de aplicação. A própria ponderação é uma ficção.

É uma máscara para esconder a subjetividade do julgador.



De todo modo – para concluir o raciocínio anterior – é bom lembrar que até

Alexy é explicito ao afirmar que os princípios, quando afastados da

aplicação em um caso específico, podem voltar com densidade normativa forte

em outros casos futuros. As regras a terem como modo de aplicação a

subsunção, ou valem ou não valem: se excluídas de um caso DEVEM SER,

necessariamente, EXCLUÍDAS de outros futuros.



Desse modo, fica clara a fragilidade do argumento exposto pelo caríssimo

Min. Fux, a quem tomo a liberdade de indagar o seguinte, e a partir da

breve exposição sobre o melhor da doutrina mundial a respeito de regras e

princípios; doutrina recepcionada no Brasil por tantos juristas e

tribunais: 1 - se a presunção de inocência é mesmo uma regra, como é

possível dizer que ela pode ter sua aplicação restringida no caso de

condenações confirmadas pelo Tribunal (e os casos de competência

originária, seriam o quê?) e, ao mesmo tempo, valer para aqueles que foram

condenados pelo juiz singular apenas? 2- se ela é uma regra, não deveria

então também ser afastada nesses casos?



Note-se que o argumento é tão frágil que melhor ficaria se fosse dito que a

presunção de inocência é (mesmo) um princípio: se justificada sua restrição

no caso de condenações confirmadas pela segunda instância, conservar-se-ia

intacta sua aplicação no âmbito do juiz singular! Todavia, nos termos em

que foi formulado no voto, como pode uma regra valer num caso e não valer

no outro? Haveria ponderação entre regras, como querem – de forma

equivocada – alguns de nossos doutrinadores? Rebaixada à condição de regra,

a presunção da inocência entraria em um “processo” de ponderação? E disso

exsurgiria que tipo de resultado? Uma “regra da regra”?



Mais: afinal, se a ponderação é a forma de realização dos princípios e a

subsunção é a forma de realização das regras (isso está em Alexy, com todos

os problemas teoréticos que isso acarreta), falar em ponderação de regras

não é acabar com a própria distinção entre regras e princípios tornando-os,

novamente, indistintos? Parece-me que o imbróglio teórico gerado pelo voto

do Ministro Fux bem representa um verdadeiro “leviatã hermenêutico”, isto

é, uma guerra constante de todas as correntes de aplicação, estudos, e

interpretação do Direito entre si, a gerar uma confusão sem precedentes,

onde cada um aplica e interpreta como quer o Direito, desatentos ao fato de

que todo problema de constitucionalidade é um problema de poder

constituinte. No fundo, mais uma vez venceu o pragmati(ci)smo, derrotando a

Teoria do Direito.



Ainda, numa palavra, várias perguntas: a) se a presunção de inocência não é

um princípio, o devido processo legal também não o é? b) E a igualdade?

Seria ela uma regra? c) Na medida em que o cada juiz deve obedecer a

“regra” da coerência em seus julgamentos, isso quer dizer que, daqui para

frente, nos julgamentos do Min. Fux, a “regra” (sic) da presunção da

inocência pode, em um conflito com um princípio, ou até mesmo com uma

regra, soçobrar? d) Uma outra regra pode vir a “derrubar” a presunção da

inocência? E) E o que dirão os processualistas-penais de *terrae brasilis*,

quando confrontados com essa “hipossuficientização” do princípio da

presunção da inocência, conquista da democracia?



Finalizo repetindo que a questão a se discutir aqui não diz respeito ao

mérito do julgamento do “caso Ficha Limpa”. Nem quero discutir as

possibilidades de restrição ou não do direito fundamental à presunção de

inocência. A questão é simbólica (lembremos de Cornelius Castoriadis). O

que representa, no plano do futuro do direito em *terrae brasilis*, o

exposto no voto do Ministro Luiz Fux? Quais são os efeitos simbólicos

disso? Lembremos, aqui também, de Bourdieu, quando fala do poder de

violência simbólica dos discursos.



Nada se deve objetar a que algumas teses sejam construídas de forma

pragmati(ci)sta. Essas teses podem fazer sucesso no mundo jurídico. Mas não

hão de subjugar décadas de discussões e avanços produzidos na Teoria do

Direito. Talvez a maior conquista nesse (e desse) direito pós-Auschwitz

tenha sido, efetivamente, a principiologia constitucional, pela qual

ingressa o mundo prático no direito, com a institucionalização da moral no

direito (não esqueçamos de Habermas). Por isso, não se pode vir a dizer que

a presunção da inocência não seja um princípio. Por mais “valor” pragmático

que isso possa vir a ter. O direito não sobrevive de pragmati(ci)smos.

Direito não é um conjunto de casos isolados. Portanto, o “problema” não é a

decisão de um determinado caso, mas, sim, como se decidirão os próximos.

Definitivamente, não há grau zero de sentido!



Portanto, o problema é de ordem teórica: maus argumentos podem construir

más decisões. E isso é algo que deve ser evitado. Quem sabe, prestigiemos

mais a Teoria do Direito. Ou para que ela serve? Indago: por que existem

tantos Programas de Pós-Graduação em Direito no Brasil? Existem mais de mil

e quinhentas teses de doutorado – parcela delas pagas com bolsas custeadas

pelo povo e orientadas por prestigiosos professores – sustentando que

“princípios não são (ou não podem ser) regras”, ou trabalhando essa

distinção entre regras e princípios (particularmente, nem concordo com a

distinção semântico-estrutural entre regra e princípio, mas isso é assunto

para outro momento; para mim, princípios são normas; são, sempre,

deontológicos; portanto, não são mandados de otimização!). Deve haver mais

de três mil teses de mestrado, feitas no Brasil e no exterior, sustentando

o contrário do que diz o Ministro Fux. Aliás, registro, o Min. Fux é um

prestigiado Professor Doutor, com brilhante tese defendida em renomada

Universidade. Tudo parece conspirar a favor das teses que são contrárias às

do Min. Fux.



Assim, senti-me na obrigação de registrar minha contrariedade ao voto de

Sua Excelência e da doutrina por ele sufragada. Não tenho o “lugar da fala”

de Luiz Fux; o que ele diz repercute em todo o Brasil em fração de

segundos. Não tive a felicidade de ser indicado pelo Presidente da

República ao digníssimo cargo de Ministro do Supremo Tribunal. Por outro

lado, tenho muitos alunos e leitores, a não esperarem menos de mim do que

agora faço. Defendendo a Academia. Defendendo a Constituição. Com todas as

vênias. Sei que não estamos mais no Hotel Glória e nem James Tubenchlak

está na platéia, vigilante, exigindo, com gestos e olhares, que sejamos

aplaudidos de pé, como tantas vezes lá fomos ovacionados, mormente os

“Meninos do Rio” (assim James anunciava, com extremo carinho que tinha por

todos nós, o trio brilhante Fux-Capanema-Nagib, para, na sequência,

anunciar Amilton-Lenio-Below ou outro palestrante que “fechava” este

painel). Hoje, o “mercado” de palestrantes é tomado por jovens, que muito

se assemelham a pastores pentecostais. Mas é pelos velhos tempos que

procuro ser crítico. Temos que ser críticos. E dizer as coisas que precisam

ser ditas. Aqui, da planície ao Planalto. Com respeito e carinho.

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[1]

http://www.leniostreck.com.br/site/wp-content/uploads/2011/10/10.pdf